Pedro Augusto – 08/05/2025 09h32

Sempre que um papa morre ou renuncia, alguns evangélicos trazem à tona uma correlação entre o próximo líder da Igreja Católica e o “oitavo rei” de Apocalipse 17, seja afirmando que ele é o falso profeta, o anticristo ou que sua ascensão representará a vinda do anticristo. Essa interpretação, além de rasa, é bastante equivocada.
Antes de analisarmos a passagem, é preciso que façamos algumas considerações fundamentais:
1. O livro do Apocalipse é repleto de simbolismos que seriam compreendidos com facilidade pelos cristãos do primeiro século
Por exemplo, quando Apocalipse 13 fala da besta e de sua marca, o 666, é muito provável que a Igreja da época fizesse relação com o imperador romano Nero e associasse a besta a esse líder político por causa de sua perseguição aos seguidores de Cristo.
2. João não escreveu o Apocalipse pensando em católicos, batistas, assembleianos ou igrejas com paredes pretas do século 21
Sua mensagem foi endereçada a igrejas da época, inseridas em um contexto social, cultural e político específico do primeiro século.
Isso é tão verdade que, em Apocalipse 1:4, João afirma que o livro, pelo menos em um primeiro momento, tinha as igrejas da Ásia como suas destinatárias.
3. O Apocalipse faz diversas referências ao Antigo Testamento, sendo impossível compreendê-lo corretamente sem olhar para outros livros
Com isso em mente, podemos olhar com mais clareza para a passagem em questão.
Quando João menciona a “cidade sobre sete colinas”, o leitor original — ou seja, o cristão do século 1 — entenderia de imediato que se trata de uma referência à cidade de Roma, e a maioria dos grandes teólogos concorda com essa associação.
Contudo, a Roma à qual João se refere de forma figurada não era a Roma de hoje, sede do Vaticano e símbolo da Igreja Católica atual. Na verdade, a referência na passagem é ao Império Romano, que ora perseguia os seguidores de Jesus no século 1, ora os seduzia com seu sistema cultural pecaminoso.
No versículo 10, de Apocalipse 17, João afirma: “São também sete reis; cinco já caíram, um existe, e o outro ainda não chegou”. Essa linguagem simbólica aponta para sistemas de poder. O “rei que existe” naquele momento é, com grande probabilidade, o Império Romano — notoriamente opressor e corrompido. Os “cinco que já caíram”, segundo muitos teólogos, seriam os grandes impérios que dominaram Israel antes de Roma e foram as grandes potências do mundo antigo: Egito, Assíria, Babilônia, Pérsia e Grécia, ou seja, teriam nada a ver com os papas.
E o oitavo rei? O texto sugere que se trata de um sistema político, religioso, militar, econômico e cultural — aquilo que o Apocalipse chama de “besta” e “Babilônia” — que surgirá no futuro e que terá características semelhantes às do antigo Império Romano.
Mais uma vez: não se trata da Roma do Vaticano, mas de um sistema global de opressão e rebelião contra Deus, cujas descrições estão espalhadas ao longo do livro.
Bem, já vimos que o texto faz uso do Império Romano como um símbolo do que seria o sistema do anticristo. Precisamos, então, fazer a seguinte pergunta: quais são os elementos no texto que nos permitem afirmar que os oito reis são justamente oito papas que lideraram a Igreja Católica após o Tratado de Latrão?
Não há qualquer passagem em Apocalipse que dê a entender isso. Também não há nada que possamos relacionar com o Tratado de Latrão. A única explicação que vi por defensores dessa ideia foi a soma dos algarismos da quantidade de papas, uma soma feita até se achar o número “6” e que, sinceramente, não faz o menor sentido.
Por fim, faria pouco sentido Deus revelar a João, há quase 2 mil anos, simbolismos e fatos completamente incompreensíveis para os seus leitores originais. A chave para entender o Apocalipse é olhar para o passado com atenção, e não projetar nossas ansiedades contemporâneas sobre o texto bíblico.
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Pedro Augusto é formado em Teologia pela Faculdade Batista do Rio de Janeiro e também em Jornalismo. |
* Este texto reflete a opinião do autor e não, necessariamente, a do Pleno.News.
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