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O que o mundo aprendeu sobre seguro rural e o Brasil ainda ignora

A história do seguro rural no Brasil, apresentada no primeiro artigo desta trilogia, revela um ciclo de avanços pontuais e muitos retrocessos. São 147 anos de debates e tentativas sem que o país realmente estruturasse uma política de gestão de riscos à altura de sua agricultura.

Há exceções honrosas — como a atuação da Embrapa, que se tornou referência mundial no Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC) desde 1996. Essa ferramenta científica permite identificar onde e quando plantar com base em dados climáticos, reduzindo perdas e aumentando a previsibilidade produtiva — algo que muitos países gostariam de ter — mas que o Brasil ainda não transformou em política de Estado.

Enquanto seguimos presos a improvisos e renegociações de dívidas do modelo de crédito amador e irresponsável, outros países construíram modelos sólidos em que o seguro agrícola é o eixo central da política agrícola.

Espanha

Na Espanha, o sistema de seguros agropecuários gerido pela Agroseguro abrange produções agrícolas, pecuárias, florestais e aquícolas. O programa conta com 44 linhas de seguro — 28 para agricultura, 12 para pecuária, 3 para aquicultura e 1 para silvicultura — e movimenta cerca de € 350 milhões anuais em subvenções públicas, equivalentes a quase R$ 2 bilhões.

Nenhum produtor espanhol recebe ajuda extraordinária se não contratar seguro. Mais de 50 grupos regionais de discussão se reúnem anualmente (produtores, cooperativas, seguradoras e governo) para ajustar o programa por cultura e região — o que torna o sistema previsível, confiável e altamente aderente.

EUA e China

Nos Estados Unidos, o programa federal de seguro agrícola (Federal Crop Insurance Program) cobre aproximadamente 89% da área plantada de oito grandes culturas: milho, soja, trigo, algodão, arroz, sorgo, aveia e cevada. Em 2024, o programa protegeu cerca de 540 milhões de acres (mais de 200 milhões de hectares), com subsídios anuais superiores a US$ 12 bilhões e cobertura total aproximada de US$ 200 bilhões em valor segurado. Lá, o seguro é visto como um investimento estratégico em estabilidade, não como despesa pública eventual.

A China, que iniciou seus programas em 2007 com subsídios de cerca de US$ 134 milhões para seis províncias, tornou-se em pouco mais de dez anos o maior mercado de seguro agrícola do mundo, com cobertura acima de 70% em algumas regiões de arroz e milho, impulsionada por tecnologia, resseguro estatal e sólida articulação entre governo e setor privado.

Turquia e América Latina

Na Turquia, o modelo chamado TARSİM (Agricultural Insurance Pool) combina regulação estatal e operação privada, oferecendo cobertura para culturas, estufas e aquicultura, com agilidade nas indenizações e apoio formal do Estado como regulador e garantidor.

Na América Latina, países como Chile, Peru e Colômbia estruturaram fundos garantidores nacionais que permitem que pequenos e médios produtores tenham acesso ao seguro com apoio técnico, subsídio direto e governança clara — o que reduziu o endividamento do setor e trouxe maior estabilidade ao crédito agrícola.

Austrália

E finalmente, a Austrália merece um destaque, um artigo especial neste espaço. Embora não opere predominantemente por meio de um fundo estatal-privado exclusivo de seguro agrícola, o país conta com diversas iniciativas integradas de mitigação de riscos, seguro voluntário e subsídios pontuais. O relatório da National Rural Advisory Council (NRAC) concluiu que o seguro multi-risco tradicional não é comercialmente viável sem suporte estatal contínuo.

Essas experiências internacionais têm em comum: o seguro rural em geral é tratado como política de Estado, coordenado, blindado a contingenciamentos e profundamente integrado ao sistema de crédito, tecnologia e mitigação de riscos.

Enquanto isso, no Brasil, a situação atual é alarmante, resultado de uma trajetória marcada por falhas estruturais e políticas insuficientes. No último artigo desta trilogia, vamos analisar as consequências dessa trajetória, com dados atualizados que mostram a realidade a que chegamos. Não percam.

*Pedro Loyola é consultor em gestão de riscos agropecuários e financiamento sustentável e coordenador executivo do Observatório do Seguro Rural da FGV Agro.


Canal Rural e a FGV Agro não se responsabilizam pelas opiniões e conceitos emitidos nos textos desta sessão, sendo os conteúdos de inteira responsabilidade de seu autor. O Canal Rural se reserva o direito de fazer ajustes no texto para adequação às normas de publicação.

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