Na semana passada, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou mais um grupo de réus do 8 de janeiro. São pessoas que não aceitaram o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) da Procuradoria-Geral da República (PGR). O ANPP da PGR prevê a confissão de crimes, pagamento de multa que pode chegar a R$ 5 mil, realização de trabalho comunitário e comparecimento a um “curso da democracia”.
Entre os condenados, está um homem de 47 anos que tem hanseníase (doença popularmente conhecida como lepra). Morador da capital federal, Davi Torres compareceu aos acampamentos montados nas cercanias do Quartel-General (QG) do Exército de Brasília para vender balas a fim de complementar a renda. Pai de seis filhos, separado, Torres tem de pagar pensão às crianças. Ele sobrevive graças a um valor que recebe de aposentadoria por invalidez. A situação financeira é tão delicada que Torres vive na casa da mãe por não ter condições de arcar com os custos de um aluguel.
No dia seguinte ao quebra-quebra, ele foi detido pela polícia no QG e passou horas dentro de um ônibus com outras pessoas que nunca tinha visto na vida. Depois, foi levado para a Papuda. A enfermidade grave e infecciosa não o impediu de passar dois meses na cadeia, com outros 13 presos em uma cela pequena. Solto com tornozeleira eletrônica e medidas restritivas, tentou restabelecer a vida. O equipamento sempre o machucou a ponto de inchar a perna já coberta por feridas provocadas pela hanseníase, as quais coçam. Embora a defesa tenha informado isso a Moraes, o juiz do STF nunca autorizou a remoção do equipamento. O magistrado tampouco acolheu as justificativas dos advogados sobre violações. Em razão de tratar da doença em uma cidade-satélite do Distrito Federal (DF), volta e meia Torres acabava saindo da área de locomoção permitida pela Justiça. Por isso, em 16 de julho, o ministro mandou o homem de volta para a cadeia, apesar de a defesa reiterar suas explicações.
“O requerente é portador de lepra (…) e ficou com sequelas graves, pois teve os membros das duas mãos amputados (dedos) e os demais dedos não dobram por causa das lesões que afetaram os nervos”, lembrou a defesa de Torres, na tentativa vã de libertar o homem. “Por ser relativamente pobre, não tem condições financeiras de custear os tratamentos médicos nas redes privadas e, sempre que precisa, busca as unidades de saúde públicas do DF.” Pouco depois de a defesa descrever a situação deplorável de Torres, veio a condenação: um ano de detenção em prisão domiciliar pelo crime de associação criminosa (artigo 288, caput, do Código Penal), e multa de dez salários mínimos por incitação ao crime (artigo 286, parágrafo único, do Código Penal), por “estimular os militares a tomar o poder do país”.
Leia também: “Os mais recentes absurdos do 8 de janeiro”, reportagem publicada na Edição 283 da Revista Oeste