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OAB-PR cobra limites na atuação do STF

A Ordem dos Advogados do Brasil do Paraná (OAB-PR) divulgou um extenso manifesto no qual cobra limites na atuação do Supremo Tribunal Federal (STF), critica as penas excessivas aos condenados pelo 8 de janeiro e exige uma atuação que respeite o devido processo legal.

A carta, publicada na última sexta-feira, 15, teve origem no evento Supremo Tribunal Federal: defesa da democracia e o necessário respeito ao devido processo legal”, realizado em Curitiba, no começo deste mês.

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No texto, a OAB-PR reconhece a importância de uma Corte Constitucional autônoma, mas reforça que a legitimidade do STF depende da observância das normas legais e do exemplo em transparência, colegialidade e respeito ao devido processo legal. “A construção e a preservação da democracia não são automáticas: resultam de uma atuação pautada pelo devido processo legal, com respeito aos direitos fundamentais e aos limites impostos pelo modelo republicano”, diz a entidade.

As penas excessivas pelos atos do 8 de janeiro

A preocupação central do manifesto é voltada aos julgamentos dos réus relacionados aos atos de 8 de janeiro de 2023. A OAB-PR indica interpretações casuísticas sobre a competência do STF e possíveis abusos no uso do critério de conexão processual, fatores que, para a entidade, afetam a previsibilidade e coerência do sistema judicial.

Outro aspecto destacado é a legalidade das colaborações premiadas relacionadas aos fatos daquele dia, citando dúvidas sobre espontaneidade, versões divergentes e o contexto de prisão preventiva.

“A colaboração premiada relacionada aos atos de 8 de janeiro apresenta questionamentos relevantes quanto à sua legalidade. Dúvidas sobre a ausência de espontaneidade, a existência de múltiplas versões prestadas pelo colaborador e o contexto de prisão preventiva em que se deu a colaboração colocam em risco a credibilidade das declarações como fundamento das acusações”, afirma a OAB-PR, na nota.

Bis in idem

A entidade também critica a aplicação simultânea dos crimes de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, prática que, segundo a OAB-PR, gerou penas consideradas excessivas para réus com participação secundária.

“Além de se mostrar tecnicamente inadequada, resulta em cumulação indevida de penas, ampliando desproporcionalmente a resposta penal e comprometendo os princípios da razoabilidade e da individualização da pena”, destaca a OAB-PR.

Foro privilegiado

O documento ainda menciona a instabilidade nas interpretações sobre o foro privilegiado, que teria variado nas últimas duas décadas sem alterações legislativas ou constitucionais. Essa oscilação, segundo a OAB-PR, ocorreu em processos do Mensalão, da Lava Jato e mais recentemente nos julgamentos do 8 de janeiro.

Bolsonaro acompanha julgamento da 1ª Turma na primeira fila ao lado de advogados – 25/03/2025 | Foto: Antonio Augusto/STF

A questão do foro privilegiado também está no centro das reivindicações de parlamentares de oposição, que, depois da prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro, passaram a obstruir pautas na Câmara e no Senado. Para deputados e senadores contrários ao STF,

Como não ocupa qualquer cargo público, Bolsonaro deveria ser julgado em primeira instância por suposta tentativa de golpe de Estado. O STF, porém, manteve o processo sob sua jurisdição devido ao foro privilegiado exercido durante a presidência.

OAB-PR pede autocrítica e autocontenção ao STF

No manifesto, a OAB-PR solicita que o STF adote uma postura de “autocrítica e autocontenção” para evitar práticas autoritárias e preservar o devido processo legal, critica a participação de magistrados em eventos e fala sobre a queda de popularidade da Corte.

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O texto sugere regulamentação da participação de magistrados em eventos patrocinados, benefícios a familiares e medidas para evitar conflitos de interesse. “A lealdade às instituições se demonstra na vigilância crítica e na cobrança firme para que atuem dentro dos limites constitucionais”, explica a OAB do Paraná.

Prerrogativas da advocacia

A seccional do Paraná também expôs as violações de prerrogativas dos advogados durante processos que tramitam no STF, como prazos exíguos para defesa, apreensão de celular, processos virtuais e supressão de sustentação oral.  “Determinadas práticas adotadas por ministros do Supremo Tribunal Federal impõem obstáculos relevantes ao pleno exercício do direito de defesa, como a limitação do acesso dos advogados aos magistrados, a crescente utilização de decisões monocráticas em matérias complexas, o julgamento de ações penais por meio do plenário virtual — em detrimento da oralidade e da publicidade inerentes ao rito presencial — e a substituição da sustentação oral por sua simples gravação e juntada aos autos. Tais medidas comprometem a efetividade da atuação da defesa técnica.”

Por fim, a entidade ressalta que pesquisas indicam queda na confiança pública no Judiciário e alerta que práticas autoritárias e a relativização de garantias acentuam esse cenário, afirma a OAB-PR.

“A erosão da confiança no Poder Judiciário, evidenciada por pesquisas de opinião, é um sinal de alerta que merece atenção. Questões como a duração excessiva de inquéritos, alterações de entendimentos jurídicos “pós-fato” e o questionamento da imparcialidade de Ministros geram instabilidade e incerteza”, expõe. “É fundamental que a Corte reforce a observância rigorosa do devido processo legal, pois qualquer violação desses princípios basilares, especialmente no mais alto grau de jurisdição, possui um efeito cascata em todo o sistema de justiça.”

Leia a íntegra da nota da OAB-PR ao STF

A OAB-PR, fiel ao seu compromisso histórico e institucional de defesa intransigente da democracia, da Constituição e do Estado de Direito, bem como diante do atual e preocupante cenário social, político e jurídico do Brasil, apresenta a Carta do Paraná, fruto das conclusões do Congresso “Supremo Tribunal Federal: defesa da democracia e o necessário respeito ao devido processo legal”, ocorrido nos dias 6 e 7 de agosto de 2025, em Curitiba/PR.

Em um cenário marcado por acentuada polarização e tensões ideológicas, no qual até a soberania nacional é posta à prova diante de indevidas interferências externas, o Supremo Tribunal Federal assumiu protagonismo inédito, especialmente diante da responsabilidade de julgar fatos de extrema gravidade e com potencial de abalar o Estado Democrático de Direito.

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Se é certo que a atuação da Suprema Corte deve ser reconhecida por seus méritos, é igualmente legítimo e necessário que aspectos de sua atividade jurisdicional sejam objeto de análise crítica e técnica. A Suprema Corte ocupa posição insubstituível na preservação do Estado Democrático de Direito, mas sua legitimidade decorre não apenas de sua autoridade institucional, como também da observância estrita às regras constitucionais, processuais e éticas. Defender o STF, como instituição, significa também exigir uma atuação transparente, colegiada e em estrito respeito ao devido processo legal. A construção e a preservação da democracia não são automáticas: resultam de uma atuação pautada pelo devido processo legal, com respeito aos direitos fundamentais e aos limites impostos pelo modelo republicano.

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Nesse contexto, é fundamental que se faça uma análise técnica e desprovida de paixões sobre sua atuação recente, sobretudo nos procedimentos criminais posteriores ao inquérito das fake news, culminando nas ações penais que tratam dos gravíssimos fatos ocorridos em 8 de janeiro de 2023.

A partir dos debates realizados no mencionado evento, o Conselho Estadual da OAB-PR aprova e torna públicas as seguintes conclusões:

1. O Supremo Tribunal Federal possui papel institucional fundamental; não há democracia sem uma Corte Constitucional independente. Também por isso, é uma questão central de soberania nacional defender o Supremo de ataques ou interferências estrangeiras.

2. Estabelecida a ressalva inicial, a atuação do Supremo deve ser permanentemente acompanhada e debatida pela sociedade. Eventuais críticas não configuram agressões ou ataques ao Tribunal, mas sim contribuições legítimas para o aprimoramento de sua atividade jurisdicional e, em última instância, para a defesa da democracia e da Constituição. A crítica responsável é um dever democrático, pois fortalece o tribunal e amplia a confiança da sociedade nas instituições. Do mesmo modo, é fundamental a definição de limites institucionais, portanto é necessário que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) regulamente a matéria dos eventos dos quais magistrados participam, seus patrocínios e eventuais vantagens ou retribuições financeiras aos convidados. Na mesma linha é preciso que haja clareza sobre benefícios oferecidos a familiares de juízes e definições do que pode configurar conflito de interesse. Requer ainda atenção a relativização que o STF fez do impedimento a parentes de ministros de atuarem em tribunais superiores. Ao julgar a ADI 5.953, a corte formou maioria para considerar inconstitucional o Artigo 144, inciso VIII do Código de Processo Civil (CPC), que vedava esse tipo de atuação.

3. A erosão da confiança no Poder Judiciário, evidenciada por pesquisas de opinião, é um sinal de alerta que merece atenção. Questões como a duração excessiva de inquéritosalterações de entendimentos jurídicos “pós-fato” e o questionamento da imparcialidade de Ministros geram instabilidade e incerteza. É fundamental que a Corte reforce a observância rigorosa do devido processo legal, pois qualquer violação desses princípios basilares, especialmente no mais alto grau de jurisdição, possui um efeito cascata em todo o sistema de justiça.

4. Sob a ótica do princípio do juiz natural e das regras constitucionais e legais sobre competência, é possível identificar fragilidades no devido processo legal nas chamadas “Ações do 8 de janeiro”. Sempre que as normas de competência não são rigorosamente observadas, há risco de comprometimento da imparcialidade e da legitimidade da jurisdição, o que pode gerar preocupações quanto à conformidade com os parâmetros constitucionais, conforme abaixo:
4.1. A utilização equivocada e o alargamento do instituto da conexão, por vezes interpretado com fundamento no Regimento Interno do STF em detrimento da lei, contraria o princípio da taxatividade da competência jurisdicional. Tal prática tem levado à ampliação excepcional da competência do Tribunal, seguida de cisão posterior dos processos, afetando a coerência e previsibilidade da jurisdição.
4.2. A interpretação oscilante sobre o foro por prerrogativa de função, alterada diversas vezes nas últimas duas décadas sem mudança legislativa ou constitucional, revela abordagem casuística, fonte clara de insegurança jurídica. Casos como o Mensalão, a Lava Jato e as ações do 8 de janeiro ilustram esse problema.

5. Têm sido observadas, inclusive nas ações relacionadas ao 8 de janeiro, recorrentes violações às prerrogativas profissionais da advocacia — como restrições ao acesso aos autos, prazos exíguos para a defesa, dificuldades de contato com réus presos e imposição de medidas cautelares que limitam a comunicação entre advogados e investigados — o que compromete não apenas o exercício da advocacia, mas também os princípios da imparcialidade do juízo e do devido processo legal, conforme reconhecido pelo próprio Supremo Tribunal Federal em decisões anteriores.

6. Determinadas práticas adotadas por Ministros do Supremo Tribunal Federal impõem obstáculos relevantes ao pleno exercício do direito de defesa, como a limitação do acesso dos advogados aos magistrados, a crescente utilização de decisões monocráticas em matérias complexas, o julgamento de ações penais por meio do plenário virtual — em detrimento da oralidade e da publicidade inerentes ao rito presencial — e a substituição da sustentação oral por sua simples gravação e juntada aos autos. Tais medidas comprometem a efetividade da atuação da defesa técnica.

7. A aplicação conjunta dos crimes previstos nos arts. 359-L e 359-M do Código Penal (abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado), levantam questionamentos à luz do princípio da consunção. O uso do concurso material tem resultado em penas excessivas, especialmente para réus de baixa participação nos fatos. Tal interpretação e a inobservância ou justificativas para inaplicabilidade do conflito aparente de normas, além de se mostrar tecnicamente inadequada, resulta em cumulação indevida de penas, ampliando desproporcionalmente a resposta penal e comprometendo os princípios da razoabilidade e da individualização da pena.

8. A colaboração premiada relacionada aos atos de 8 de janeiro apresenta questionamentos relevantes quanto à sua legalidade, especialmente por relativizar requisitos essenciais do instituto previstos na Lei nº 12.850/2013, como a concordância do Ministério Público, condição de validade do acordo com precedente do próprio STF. Dúvidas sobre a ausência de espontaneidade, a existência de múltiplas versões prestadas pelo colaborador e o contexto de prisão preventiva em que se deu a colaboração colocam em risco a credibilidade das declarações como fundamento das acusações.

9. A legitimidade de qualquer tribunal também se constrói pela capacidade de corrigir seus próprios erros. A melhor resposta aos ataques antidemocráticos é mais democracia: mais respeito às garantias fundamentais, mais estrita observância do devido processo legal e mais compromisso com o princípio da legalidade.

A partir das reflexões e conclusões apresentadas nesta Carta, fruto do intenso debate realizado em pioneiro congresso que se debruçou sobre o tema de maior preocupação hoje em nosso país, a OAB/PR reafirma sua confiança na capacidade institucional do Supremo Tribunal Federal de evoluir no sentido de fortalecer o Estado Democrático de Direito, preservando-o por intermédio de atuação firme, independente e justa. Da mesma forma, espera do STF autocrítica e autocontenção para evitar desvios autoritários e violações ao devido processo legal.

A OAB-PR reafirma que apoiar o Supremo Tribunal Federal como pilar da democracia não significa endossar todas as suas práticas ou decisões. A lealdade às instituições se demonstra na vigilância crítica e na cobrança firme para que atuem dentro dos limites constitucionais.

A melhor resposta a qualquer ameaça ao Estado Democrático de Direito não é a mitigação seletiva de garantias; pelo contrário: é nesse cenário que cresce a necessidade de respeito a esse conjunto de garantias próprias do devido processo legal. É nas crises que mais se exige o respeito às regras, pois a justiça se legitima não apenas pelo resultado, mas pelo caminho percorrido.

Para os próximos capítulos desta história, esperamos um Supremo Tribunal Federal que demonstre um compromisso renovado com o respeito aos princípios fundamentais do sistema de justiça criminal — devido processo legal, imparcialidade, legalidade, contraditório e ampla defesa — e que veja na advocacia o caminho legítimo (e único) para a efetivação da justiça, jamais um obstáculo a ser superado.

Defender a democracia é tarefa contínua, que exige coragem para apontar erros, firmeza para exigir correção e compromisso para preservar as garantias que sustentam a liberdade de todos.

Não há democracia sem devido processo legal, nem justiça sem a voz livre da advocacia. Que esta Carta se inscreva na história como testemunho firme e inequívoco de que a OAB-PR esteve, está e estará na trincheira da Constituição, da democracia e das liberdades fundamentais, em qualquer tempo e contra qualquer arbítrio.

Curitiba, 15 de agosto de 2025.

Leia também: Violador de direitos humanos, reportagem publicada na Edição 283 da Revista Oeste

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