Como vivemos em uma era bastante globalizada, não falamos tanto em disputas entre Estados no futebol, estamos menos bairristas, o que acho muito bom. Mas, talvez por isso, não temos dado a devida atenção ao sucesso recente do futebol carioca. Falamos do domínio brasileiro inegável na Libertadores desde que começou a final única no torneio, em 2019.
Mas, olhando com mais atenção essa supremacia, vemos que apenas em uma das últimas seis edições do mais nobre torneio da América não houve um clube do Rio de Janeiro na decisão (a final de 2020 foi paulista, entre Palmeiras e Santos).
O Flamengo, que está em vantagem contra o Racing para ir à final deste ano, foi o campeão em 2019 e 2022 e pode confirmar no dia 29 de novembro que está vencendo a Libertadores de três em três anos agora. Nas duas últimas temporadas, Fluminense e Botafogo conquistaram enfim suas taças tão sonhadas da competição chamada, com razão, de Glória Eterna.
Isso significa dizer que o popular rubro-negro, que passou décadas sofrendo gozação por ter pouca camisa na Libertadores e raramente chegar longe na disputa, tem boa chance de ser o primeiro tetracampeão do nosso país no continente.
Mas significa dizer também que o Rio de Janeiro pode ser tetra genuíno da Libertadores, o que o futebol argentino conseguiu duas vezes na história (entre 1967 e 1970 e entre 1972 e 1975) e que nenhum outro Estado do Brasil alcançou.
O futebol brasileiro pode empatar neste ano em títulos de Libertadores com a Argentina muito por conta desta ascensão carioca.
Nenhum clube do Rio conseguiu ser campeão mundial nos últimos anos, mas vale destacar que o Flamengo de Jorge Jesus fez um jogo bastante digno contra o forte Liverpool de Jürgen Klopp em 2019, decisão que foi para a prorrogação, e que o Fluminense foi o melhor time brasileiro na Copa do Mundo de Clubes deste ano, chegando à semifinal da nova e desafiadora competição da Fifa.
Aliás foram três representantes da cidade do Rio de Janeiro na disputa que aconteceu no meio do ano nos Estados Unidos. Procure outra cidade do planeta que teve essa representatividade em um torneio mundial. Não vai achar.
O Botafogo e o Vasco viraram SAFs já há alguns anos, caminho que o Fluminense também decidiu trilhar. Dos grandes cariocas, apenas o Flamengo, que arrecadada mais de bilhão por ano, continua com o modelo tradicional de clube associativo que não negocia no mercado o controle de seu futebol.
Em maior ou menor grau, todos estão hoje em situação melhor do que estavam em grande parte deste século, que viu um domínio do futebol paulista nas duas primeiras décadas.
O Estado de São Paulo ganhou 2 Mundiais, 4 Libertadores, 11 Brasileiros e 8 Copas do Brasil entre 2001 e 2020 (lembrando que até Santo André e Paulista de Jundiaí venceram a copa nacional em cima da dupla Fla-Flu). O cenário mudou completamente nesta década atual, que vê possivelmente as maiores crises política e financeira da história de Corinthians, São Paulo e Santos, que experimentou o seu primeiro rebaixamento e corre o risco de parar de novo na Série B em 2026.
Apenas o Palmeiras conseguiu se acertar para competir nos últimos anos com os cariocas, sendo superado por vezes pelo Flamengo, com quem divide o protagonismo econômico do país nos últimos anos, e pelo Botafogo, campeão da América e do Brasil em 2024.
Olhando para a tabela do Campeonato Brasileiro após 29 rodadas (faltam alguns poucos jogos atrasados agora na disputa), vemos o quarteto carioca no G8, algo inédito à essa altura da competição nesta era de pontos corridos, quando o planejamento, a organização e o investimento pesam demais para a classificação final.
Há uma chance considerável de vermos os quatro grandes do Rio na Libertadores do ano que vem. Isso pode acontecer via Brasileiro mesmo (Flamengo e Botafogo estão no G6 e praticamente garantidos com uma vaga pela competição, o sétimo Fluminense tem um jogo a menos ainda, e o oitavo Vasco é talvez o clube mais embalado na Série A).
Porém o Flamengo pode muito bem ganhar a vaga como campeão da Libertadores, e Fluminense ou Vasco estará na final da Copa do Brasil, disputa que terá sua finalíssima no Rio de Janeiro, como definiu sorteio realizado nos último dias. Podemos ter sim de fato um G8 do Brasileiro na Libertadores de 2026 e, sobretudo, um G8 carioca, o que jamais foi visto.
Lembro que no ano passado Tite, técnico gaúcho que brilhou no futebol paulista, disse que o mais forte campeonato estadual do país era o Carioca, o que gerou críticas a ele, especialmente em São Paulo. Muita gente entendeu que ele estava fazendo uma média com os cariocas porque estava treinando o Flamengo.
Depois, ele fez uma espécie de pedido de desculpas e reconheceu que se expressou mal sobre o assunto. Ainda há (e creio que sempre haverá) uma diferença grande entre os pequenos do Rio e os de São Paulo, tanto que vemos agora o Mirassol fazer uma campanha sensacional em sua estreia na elite do futebol brasileiro.
O interior de São Paulo é rico e possui vários times tradicionais, sendo bem maior que o Estado do Rio (esse tem só 92 municípios, contra 645 cidades paulistas). Tite devia ter falado apenas que a fase dos grandes cariocas é melhor que a fase dos grandes paulistas. Isso está claro na tabela do Brasileiro deste ano, com Corinthians, São Paulo e Santos fazendo ainda contas para fugir do Z4 e todos com chances pequenas de ir à Libertadores.
O Timão ainda tem uma esperança na Copa do Brasil, mas, cheio de problemas internos e endividado ao extremo, não é favorito contra o revivido Cruzeiro na semifinal. A tendência nos próximos anos é de dificuldades para os grandes paulistas, exceção feita ao Palmeiras, e de melhora ainda maior dos cariocas.
O Volta Redonda pode ser rebaixado para a Série C, o Rio continuará sendo pouco representado nas divisões de acesso nacional, diferentemente de São Paulo, mas os cariocas devem cada vez mais brigar pelas taças mais importantes.
Pegando o restante do país, vemos um crescimento bacana dos times do Nordeste, mas ainda não a ponto de ganhar título de expressão nacional e internacional. Talvez o Bahia com o Grupo City possa dar esse passo em algum momento. Os gaúchos continuam sem vencer o Brasileiro na era dos pontos corridos.
O Inter não ganha título nacional desde 1992, e o Grêmio tem lutado muito na segunda metade da tabela do Brasileiro, ficando cada vez mais distante das grandes conquistas (vai fazer uma década desde a última Copa do Brasil, em 2016, e não tem sucesso na Libertadores desde 2017).
Os mineiros podem celebrar bem mais nesta década, com o Atlético-MG ganhando seu primeiro Brasileiro e mais uma Copa do Brasil no mágico ano de 2021, regado a forte investimento e a força de Hulk. O Galo ainda pode beliscar neste ano a Copa Sul-Americana, algo que bateu na trave para o Cruzeiro no ano passado. A Raposa renasceu depois do inferno da Série B e uma quase falência, só que ainda não está no patamar do Flamengo, vamos ver como se sai na Copa do Brasil se chegar à final contra um carioca.
O Athetico Paranaense vinha sendo bastante copeiro neste século, até ganhou a única Copa Sul-Americana do futebol brasileiro nesta década, mas voltou à segunda divisão e não está fácil retornar agora para elite, coisa que está mais factível para o rival Coritiba, líder da Série B após 33 rodadas.
Como tenho um certo TOC com listas, ranking e tabelas, farei abaixo um pequeno resumo dos títulos principais de cada Estado nesta década. O Rio lidera em conquistas, com destaque para a vantagem na Libertadores.
Títulos da Libertadores por estado na década
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Rio de Janeiro: 3
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São Paulo: 1
Títulos da Sul-Americana por estado na década
Títulos da Recopa Sul-Americana por estado na década
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Rio de Janeiro: 1
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São Paulo: 1
Títulos do Campeonato Brasileiro por estado na década
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São Paulo: 2
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Minas Gerais: 1
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Rio de Janeiro: 1
Títulos da Copa do Brasil por estado na década
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Rio de Janeiro: 2
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São Paulo: 1
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Minas Gerais: 1
Títulos da Supercopa do Brasil por estado na década
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Rio de Janeiro: 2
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São Paulo: 2
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Minas Gerais: 1
Títulos de expressão* por estado na década
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Rio de Janeiro: 9
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São Paulo: 7
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Minas Gerais: 3
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Paraná: 1
*Títulos nacionais e internacionais


