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OPINIÃO: ‘Só’ profissionalizar a arbitragem não resolve o problema do produto futebol no Brasil

Uma semana inteira em que o assunto dominante do esporte no Brasil foi o clássico São Paulo 2 x 3 Palmeiras, mas não pelo futebol em si e sim pelas polêmicas e pelos erros (vários) de quem apitou e seus colegas de bandeira e VAR. Falar em profissionalização da arbitragem vai muito além de pagar salários aos árbitros e dar treinamentos contínuos. É preciso falar, por exemplo, em gestão do produto futebol.

Sim, porque o futebol é isto, um produto. E todo produto, se for bem trabalhado, da forma certa e profissional, será rentável. O esporte, para ser um bom produto, precisa ser administrado profissionalmente, promover grandes espetáculos e atingir um público-alvo com excelência. É um produto que vende e ajuda a vender.

O produto precisa atender às necessidades dos seus consumidores e ser trabalhado para fidelizar seus clientes. Inclusive, é possível ver o consumo de algumas modalidades esportivas sem ser por meio de torcedores fiéis, apenas pela experiência – que deve ser positiva, claro. Não é pequena a quantidade de pessoas que vai a ginásios e estádios ver uma partida de NBA, de futebol americano (seja nos Estados Unidos, no Brasil, no México ou na Inglaterra) e/ou do futebol com a bola redonda mesmo, de Barcelona, Real Madrid, Liverpool, entre outros. Tudo pelo pelo espetáculo proporcionado.

O futebol tem várias vertentes, e todas precisam de qualidade elevada para que o produto entregue, que é o jogo em si, seja efetivo e de excelência. Um bom estádio, um bom gramado, uma boa arbitragem, jogadores efetivos, fair play no campo e financeiro, gestores e gestões profissionais em todas as áreas (clubes, arbitragem, confederações, federações, etc.), torcedores que ajudem ao invés de prejudicarem o espetáculo, mídia exercendo o seu papel como se espera, uma boa transmissão, a cultura local, entre outras coisas. Tudo isto faz parte do produto, e se algum destes pontos falhar, o produto terá sua qualidade afetada.

No futebol, quando temos uma arbitragem ruim, que vira protagonista, como no clássico São Paulo 2 x 3 Palmeiras, no último domingo (5), e que influencia em resultados, é sinal de que há um problema na cadeia a ser olhado em busca de soluções. Pois uma arbitragem de má qualidade, assim como um gramado ruim, interfere na qualidade do produto futebol que vai ser consumido.

O principal intuito aqui é falar da arbitragem, como profissionalização e alguns outros pontos para poder se melhorar o produto futebol brasileiro. E não trago aqui todas as soluções, mas um escopo de pequenos pontos que podem ajudar.

A profissionalização da arbitragem

O exercício da arbitragem de futebol já é reconhecido e regulamentado como uma profissão no Brasil. Em 10 de outubro de 2013, foi assinada a Lei nº 12.867, que regulamentava a profissão de árbitro de futebol no Brasil, mas foi revogada pela Lei nº 14.597, de 14 de junho de 2023, conhecida como a Lei Geral do Esporte. “Lei Geral do Esporte, art. 82. A atividade assalariada não é a única forma de caracterização da profissionalização do atleta, do treinador e do árbitro esportivo, sendo possível também definir como profissional quem é remunerado por meio de contratos de natureza cível, vedada a sua participação como sócio ou acionista da organização esportiva.

Parágrafo único. A atividade profissional do atleta, do treinador e do árbitro esportivo não constitui por si relação de emprego com a organização com a qual ele mantenha vínculo de natureza meramente esportiva, caracterizado pela liberdade de contratação.” Há também o PL 864/2019, que é um projeto de lei para regulamentar a relação entre árbitros e federações esportivas. Apesar de ser um profissional, falta a efetividade na profissionalização, com estruturas e garantias. A Série A do Brasileirão 2025 tem como valor determinado de pagamento, por jogo, R$ 7.280,00 para o árbitro Fifa, R$ 4.370,00 para o assistente Fifa e R$ 4.370,00 para o VAR Fifa. Em 27 rodadas, Anderson Daronco, por exemplo, apitou 17 partidas e tem um total de 27 jogos pela CBF no ano. O assistente Bruno Boschilia atuou em 22 confrontos dos 27 possíveis, além de mais cinco pela Copa do Brasil. Caio Max foi escalado em 37 jogos pela CBF no ano, com 24 jogos como VAR apenas no Brasileirão. Os árbitros de elite ganham muito bem para a realidade da média salarial do trabalhador brasileiro e isto permite, sim, que invistam em sua carreira. Mas a elite é apenas uma pequena parte da arbitragem, a maioria esmagadora ganha bem menos, assim como se dá com os jogadores. Entretanto, não é algo fixo, o árbitro no Brasil depende das escalas para receber. Um erro pode deixá-lo um mês ou mais sem atuar, reprovar no teste físico ou na prova teórica também e, automaticamente, sem receber nada. Os árbitros, assim como muitos profissionais autônomos, sofreram muito durante a pandemia.

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Clássico entre São Paulo x Palmeiras teve muita polêmica envolvendo a arbitragem

Esta instabilidade financeira gera insegurança, que gera instabilidade emocional, que reflete no campo de jogo.

Um projeto de profissionalização é fundamental, e ela começa por uma gestão profissional, cargos precisam ser ocupados por gestores com competências adequadas e não simplesmente por ex-árbitros renomados que tiveram grandes carreiras no campo. Nem sempre um ex-jogador será um bom treinador, e é assim também na arbitragem. Segundo o UOL, após polêmicas no clássico São Paulo x Palmeiras, a cúpula da CBF impôs o afastamento do árbitro Ramon Abatti, mas a comissão de arbitragem da entidade não queria fazê-lo. A interferência de confederações e federações na arbitragem também é um grande problema, ou seja, a politicagem – pune árbitro, tira este do quadro da Fifa, coloca aquele no tal grupo, escala este, mas este não… Tudo isto interfere demais no processo da arbitragem. A meritocracia nem sempre funciona neste meio. Isto traz outro ponto para a profissionalização, que é a criação de uma empresa de arbitragem independente de federações. Assim como um centro de treinamento para a arbitragem, profissionais multidisciplinares, tecnologia avançada, entre outras diversas necessidades para a capacitação adequada. Uma escola única de arbitragem também se faz necessária. Atualmente, para ingressar na arbitragem profissional, é necessário fazer o curso por meio de alguma federação estadual. E cada federação tem o seu cronograma pedagógico próprio, o que se torna um problema, pois cada estado ensina do seu jeito. Além do curso normalmente ser caro e ‘elitizar’, de certa forma, quem pode frequentá-lo. Como adendo, a Federação Paulista de Futebol (FPF) já fez testes com alguns árbitros dando uma ajuda mensal fixa e mais taxas por jogos, isto anos atrás, e atualmente tem o projeto Jovens Árbitros, no qual um grupo pequeno e por tempo determinado se dedica totalmente à arbitragem com subsídios por mês, além das taxas das partidas. É importante ressaltar também que a CBF, a Federação Paulista e algumas outras, além de aprimoramentos presenciais que ocorrem de forma sazonal, costumam fazer a chamada ‘devolutiva’ com os árbitros, isto é, reuniões on-line para falar de acertos e erros ocorridos em cada rodada dos campeonatos. O que é ser profissional?

O mercado de trabalho usa muito a sigla CHA – Conhecimento, Habilidade e Atitude – e busca um perfil modelo de profissionais em cima disto. O tema é interessante e, apesar de não ser o foco deste artigo, é importante para entender o que se espera de um profissional na atual conjuntura do mundo e em qualquer local de atividade, inclusive no futebol. Ser profissional é possuir um conjunto de habilidades técnicas, comportamentais e éticas, junto com o perfil profissional, que demonstra a capacidade de contribuir com excelência no ambiente de trabalho. Inclui características como comprometimento, adaptabilidade, proatividade e resolução de problemas, além de definir seu propósito e interesses na carreira. A busca pela efetividade é real, e a importância da proatividade também, ou seja, ser preocupado com seu desenvolvimento profissional. Manter-se atualizado, buscando amplitude de conhecimento na sua área de atuação. Tomar para si a responsabilidade da sua capacitação para evoluir como profissional. O CHA traz vários pontos essenciais para o perfil modelo de profissional: comunicação, trabalho em equipe, gerenciamento de conflitos, ética, autocontrole, iniciativa, adaptabilidade, planejamento, liderança, autonomia, análise crítica e várias outras competências. Esta é a busca por um profissional em várias áreas, inclusive na arbitragem. Por estas definições, um árbitro com tais competências tem o perfil modelo profissional. Assim como alguns jogadores que, mesmo tendo todo o respaldo e a estrutura do clube, têm seu personal trainer, seu fisiologista, seu psicólogo, seu nutricionista por conta própria. Alguns árbitros também o fazem para o seu autodesenvolvimento.

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Como funciona a arbitragem em alguns países?

– Inglaterra. A arbitragem é profissional e gerida pela PGMOL, uma organização independente, mas que é financiada por Premier League, English Football League (EFL) e Football Association (FA), além de possíveis patrocinadores. Os árbitros são profissionais, recebem salário fixo (depende da categoria, em média, na elite, £ 180 mil por ano) e ainda uma taxa por jogo. Com toda uma estrutura de profissionais multidisciplinares, há encontros quinzenais presenciais.

– Espanha. A arbitragem é profissional. Por jogo, cada profissional recebe em torno de £ 4,5 mil mais um fixo anual, em média, de £ 150 mil.

– Itália. A arbitragem é profissional. O salário anual é entre £ 70 mil e £ 100 mil, sendo por volta de £ 3 mil por jogo.

– Portugal. A arbitragem recebe subsídios, em média, de £ 1,5 mil e cerca de £ 1,5 mil por jogo.

– Estados Unidos e Canadá. A arbitragem é gerida por uma organização independente, a Professional Referee Organization (PRO). Árbitros na MLS, a principal liga de futebol dos EUA, recebem um salário base e pagamentos por jogo.

A cultura do futebol brasileiro

É sabido que a cultura de um país tem influência em um produto, e no futebol não é diferente.

A dificuldade de se criar uma liga única de clubes mostra quantos empecilhos o futebol brasileiro enfrenta. Dirigentes que não se unem, clubes que pensam só em si, gestões sem compliance que também comprometem a qualidade do futebol. Os clubes reclamam da arbitragem, muitas vezes apenas quando lhes convém, mas se conseguissem se unir e criar uma liga, poderiam trabalhar para criar uma empresa independente de arbitragem no Brasil. Se os jogadores começarem a praticar o fair play, isto é, pararem de simular faltas, dar entradas violentas nos adversários, diminuir a reclamação e os confrontos em campo, entre outras coisas, também ajudarão a melhorar a qualidade do produto. Vemos muitos jogadores e treinadores com atitudes em campo no Brasil que não as têm ou as tiveram ao trabalharem em outros países. Atos racistas e/ou preconceituosos, brigas entre torcidas e violência em geral também ajudam a entregar um produto ruim. A mídia também faz parte deste processo de qualidade.

O livro ‘A Liga’ traz a transformação do futebol inglês, que passou, digamos, de ‘falido’ para o sucesso que se tornou via Premier League.

A melhora da qualidade do produto futebol requer sacrifícios de todas as partes, e todos têm a ganhar com isto.

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