O campo da direita brasileira vive um momento de reconfiguração profunda para o ano de 2026. Com a liderança personalista de Jair Bolsonaro mais fragilizada por disputas internas, pela inelegibilidade e pela questionável tentativa do STF de criminalizá-lo, o espaço à direita está fragmentado entre três partidos com características, quadros e perspectivas distintas para 2026 que merecem estudo próprio: o PL, o Partido Novo e o recém-criado Missão.
Para fins desta análise, estaremos descartando do espectro de direita os partidos desideologizados que fazem parte da base do governo Lula, ainda que se declarem direitistas, como a Federação União/PP, Republicanos, PRD e Podemos, e partidos que são oposição ao governo Lula, mas se declaram centristas, como PSDB e Cidadania.


O Partido Liberal (PL), legenda que abrigou Bolsonaro em 2022, é hoje o maior partido do Brasil. Essa força, no entanto, é enganosa quanto à sua solidez ideológica. Na prática, o PL é controlado por Valdemar Costa Neto, figura importante do fisiologismo tradicional brasileiro, responsável por acolher e acomodar um variado espectro de perfis: de caciques regionais a bolsonaristas radicais e liberais-conservadores desgarrados, com foco em lideranças pragmáticas na gestão de comissões executivas e diretórios estaduais.
O partido se encontra num paradoxo: enquanto ostenta o maior número de parlamentares identificados com a direita, não tem projeto nacional coerente nem liderança programática. É uma sigla que visa a poder e fundo eleitoral, não reformas estruturais. Com Bolsonaro inelegível, o PL tende a se tornar uma colcha de retalhos eleitoralmente forte, com muito fundo eleitoral e partidário, mas ideologicamente amorfa, vulnerável a rachas e traições.
Partido Novo: a retomada do liberalismo inglês
Após o desgaste com figuras como Amoêdo e parte de sua antiga cúpula com uma postura antibolsonarista em um período em que a direita se identificou muito com a força política do ex-presidente, o Novo tem se reposicionado e reencontrado seu eixo em torno de um liberalismo mais sóbrio, institucional e conservador nos costumes. É algo próximo ao liberalismo inglês — ainda que mantenha em seus quadros alguma corrente libertária de direita de matriz norte-americana. A legenda tem aversão a rupturas institucionais e busca permanentemente a evolução tecnocrática da gestão pública com protagonismo da iniciativa privada no desenvolvimento econômico.
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A nova direção do partido tem apostado em quadros técnicos, gestores e políticos com atuação consistente em pautas de responsabilidade fiscal e desburocratização, com ênfase em políticos de direita oriundos do bolsonarismo e do lavajatismo. O Novo se posiciona como alternativa partidária aos que, principalmente por conta de conflitos com a ala mais fisiológica do PL, buscam espaços políticos para permanecerem ativos na política ou retomarem carreira no setor.
Seu desafio é a ampliação da base eleitoral sem diluir sua identidade programática em um cenário onde seus quadros tradicionais não performaram politicamente. Em um cenário de crise política petista e crise partidária bolsonarista, pode crescer como porto seguro da direita racional.
Missão: o novo liberalismo francês à brasileira
A Missão surge com um perfil peculiar: embora mantenha o discurso econômico liberal, adota uma retórica mais emocional, utópica e igualitária, algo que remete claramente ao liberalismo francês da Revolução de 1789, caracterizado não apenas por seu racionalismo reformista, mas por um ímpeto de ruptura total com o Antigo Regime. Assim como parte da burguesia ilustrada francesa via a nobreza, o clero e as corporações de ofício como castas parasitárias que bloqueavam a ascensão dos talentos e do mérito, a Missão constrói uma narrativa revolucionária contra o “regime estamental brasileiro”.
Segundo essa leitura, o Brasil atual seria dominado por quatro estamentos estruturantes e retrógrados: (i) as oligarquias patrimonialistas regionais, herdeiras do coronelismo e do clientelismo histórico; (ii) os grandes grupos financeiros e empresariais dependentes de subsídios, proteções e favores estatais, que compõem um capitalismo de laços e não de mercado; (iii) a esquerda sindical-petista, vista como uma classe burocrática que vive de benesses públicas e regulações cartoriais; e (iv) o Poder Judiciário, principalmente o de cúpula, tratado como um poder oligárquico, fechado e autorreferente, que arbitra a política segundo interesses corporativos e ideológicos.


A ideia central da Missão, portanto, não é apenas reduzir o Estado, como no liberalismo inglês, mas libertar a sociedade de um sistema capturado por castas que impedem a mobilidade, o mérito e o protagonismo da nova classe média conectada, empreendedora e meritocrática. Nesse sentido, é um projeto menos reformista e mais disruptivo, que flerta com um populismo liberal: quer derrubar as antigas estruturas com apelo direto ao “cidadão comum”, jovem e insatisfeito.
Essa postura se expressa no seu paradoxo estratégico: embora pregue um governo mínimo, exige uma presença forte do Estado para quebrar privilégios, desmantelar burocracias e enfrentar os estamentos, o que leva à proposta de um Estado como instrumento de guerra contra o próprio Estado. É uma concepção voluntarista, quase jacobina em sua radicalidade, mas girondina ao entrar no jogo democrático, que fascina jovens desconectados do sistema tradicional, mas que gera desconfiança em liberais clássicos por sua instabilidade conceitual e pela dependência de lideranças carismáticas.
Cenário para 2026: o que esperar da direita
A eleição de 2026 será marcada pela alta rejeição ao PT e ao lulismo, cujo governo já mostra fadiga precoce, incompetência fiscal e escândalos reincidentes. O campo da direita, contudo, ainda não tem um nome natural que una as forças dispersas.
O PL seguirá como maior máquina eleitoral, mas sem rumo ideológico claro. Seu grande desafio será a construção do nome presidencial que protagonizará a eleição contra o petismo. O primeiro grande problema está no fato de que os três principais nomes presidenciáveis capazes de representar uma direita ponderada — apta a dialogar com a poderosa máquina do centrão sem parecer disruptiva, e também com um STF radicalizado e intolerante — não pertencem ao partido e, além disso, enfrentam dificuldades de interlocução com sua direção histórica.


Estão na lista de presidenciáveis o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos); o governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD); e, em menor destaque, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo). Além de convencê-los a adentrar na agremiação, seu segundo grande desafio é quebrar a resistência de um bolsonarismo mais radical e personalista para aceitar um nome que não tenha sobrenome “Bolsonaro” ou não seja muito intimamente ligado à família do ex-presidente. Essa ala é adepta a uma candidatura “bolsonarista raiz”, como a de Michelle Bolsonaro (atual mulher do ex-presidente) ou do deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (filho mais novo do primeiro casamento do ex-presidente).
O Novo tem a chance de se consolidar como a direita técnica e reformista, mas seu foco para 2026 será ultrapassar a cláusula de barreira e se manter viável enquanto máquina eleitoral para voos futuros. O partido simplesmente não tem estrutura financeira para protagonizar a luta contra o PT e não tem condições políticas de suplantar o poder e o tamanho do PL dentro da direita. Deve ser primeiramente e, em curto prazo, uma linha auxiliar e ideologicamente mais pura da direita nacional para, posteriormente, buscar substituir o PL como protagonista da direita nacional.


Já a Missão, como partido de ruptura, não entra no jogo para ganhar eleições majoritárias imediatamente, mas para marcar posição, ocupar espaço e criar identidade. Sua “missão”, no curto prazo, é tornar-se conhecido nacionalmente — e isso exige a apresentação de candidaturas majoritárias em todos os níveis, estando os candidatos alinhados integralmente ao “Livro Amarelo”, projeto político e intelectual elaborado pelo MBL, ainda que suas ideias sejam contraintuitivas, polêmicas ou politicamente incorretas. O objetivo estratégico deverá ser conseguir ao menos cinco deputados federais, número necessário para formar um gabinete de liderança na Câmara, com a maioria puxada em São Paulo, onde o movimento tem sua base mais sólida.
A grande ironia reside no fato de que, entre todos os projetos da nova direita, a Missão talvez seja o mais olavista de todos. Olavo de Carvalho, que atacou o MBL de forma sistemática, sempre defendeu que a luta cultural precede a luta eleitoral. Pois o MBL, ao montar um partido próprio, uma academia de formação, um projeto ideológico estruturado, mídia escrita e presença digital orgânica, demonstra compreender e aplicar essa lógica melhor do que o próprio “bolsolavismo” que se dizia herdeiro direto de Olavo. Em outras palavras, a Missão é o mais fiel executor da estratégia olavista entre os antiolavistas e o projeto mais coerente com a ideia de construção de hegemonia cultural e política de longo prazo, ainda que por caminhos próprios e antagônicos aos que o filósofo defendia em vida.
Nesse cenário, a recomposição da direita brasileira dependerá menos de carisma e mais de coerência, capacidade de articulação e apresentação de soluções reais para um Brasil em crise, com cada partido dentro da sua realidade e perspectivas. A era dos mitos pode estar chegando ao fim e 2026 pode marcar o início de uma direita mais madura e plural, para todos os gostos e algo em comum: o desprezo à esquerda e a luta pelo fim do petismo, cada um a sua maneira.


Bernardo Santoro é cientista político, advogado, mestre e doutorando em Direito, conselheiro do Instituto Liberal e sócio do escritório SMBM Advogados (smbmlaw.com.br)