“Cria cuervos, y te sacarán los ojos” (provérbio espanhol)
Eis que, em plena Avenida Faria Lima — aquela espécie de Pequena Wall Street de trópico úmido, onde engravatados de All Star e startupeiros de alma progressista misturam algoritmos com aforismos —, ocorreu um fenômeno digno de nota: os milicianos da guarda vermelha lulopetista, com a pança cheia de mortadela e a cabeça cheia de slogans embolorados, invadiram uma agência bancária para protestar contra… os ricos.
Pausa para a gargalhada.
Sim, os ricos. Aqueles que, até anteontem, serviam vinhos biodinâmicos enquanto brindavam o retorno do “estadista” egresso do sistema ao Planalto. Aqueles que, entre um TEDx e um tuíte sobre equidade, contribuíram entusiasticamente para derrotar “o fascismo” e salvar “a democracia”. Aqueles que, num ato de autofagia de classe raramente visto fora das páginas de Dostoievski, ajudaram a eleger esses mesmos que agora gritam, diante de seus vidros blindados, palavras de ordem contra “os super-ricos”.


Faria Lima em choque
Há algo de sublime nessa tragicomédia: a Faria Lima sendo acuada pelos filhos da criatura que ela própria pariu. O que era para ser apenas mais um governo moderado, responsável, amigo dos mercados — com selo de compliance fiscal, assinatura da XP e curadoria do Itaú Cultural — de repente revela sua face arcaica: o velho PT de sempre, sempre enganando a elite financeira de má consciência.
🚨OS SUPER RICOS NÃO PAGAM IMPOSTO E O POVO SEGUE PAGANDO A CONTA!
Por isso hoje, a Frente Povo Sem Medo, junto com o @mtst fazem uma ação AGORA exigindo:Reforma tributária justa JÁ! Taxar os super ricos é URGENTE!#CONGRESSODAMAMATA #Congressoinimigodopovo pic.twitter.com/N6hSe7tADG
— Povo Sem Medo (@FrntPovoSemMedo) July 3, 2025
Mas o mais patético da história não é a teatralidade da “guarda vermelha”, aquela tropa de choque formada por “trabalhadores rurais” que nunca empunharam uma enxada e por “estudantes” que jamais estudaram. Não. O mais patético é a própria Faria Lima, com seu olhar bovinamente surpreso, fingindo espanto diante da criatura que alimentou com afeto, dinheiro e editoriais na imprensa amiga.
Durante anos, o tal do “mercado” acreditou poder domar a fera. Achou que bastaria manter os petistas entretidos com ministérios secundários, um arcabouço fiscal tolerável e alguns foros internacionais para que, enfim, a racionalidade prevalecesse. Engano fatal. Mas a história — essa velha feiticeira que adora zombar dos pragmáticos — agora assiste, de camarote, ao espetáculo dos banqueiros sendo tachados de inimigos do povo pela seita política que ajudaram a subsidiar.
A esquerda não renuncia à luta de classes
Com uma cultura histórica de tamanho inversamente proporcional ao da carteira de investimentos, a Faria Lima não sabe que a esquerda no poder nunca renuncia ao ritual da luta de classes. Apenas o terceiriza. Deixa a repressão para os camaradas de toga e o discurso revolucionário para o marqueteiro. Enquanto a militância ocupa simbolicamente agências bancárias, os adultos do partido seguem, entre cafés e conferências, ajustando alíquotas, cultivando superávits e distribuindo cargos à aristocracia política. É a velha técnica: uma mão na foice, a outra no contrato. Sempre com muita ternura, diria Che Guevara. E com muito carinho, diria um mendigo pop star.
Sim. A Faria Lima ainda não entendeu. Acha que o protesto é um desvio, quando ele é o método. O governo Lula precisa manter o mito: o mito da oposição entre o PT e os ricos, mesmo que os ricos sejam, de fato, os verdadeiros mecenas do atual estado de coisas. A narrativa exige antagonistas. E, se não houver um, cria-se. Nem que seja em frente ao banco do patrocinador.
Assim, os farialimers — esses alquimistas da harmonia entre rentismo e revolução — colhem agora os frutos de sua covardia civilizacional. Trocaram princípios por pragmatismo, liberdade por estabilidade, verdade por narrativa. E agora assistem, entre planilhas e uísques envelhecidos, à militância do partido que sustentaram vandalizando suas fachadas, cuspindo-lhes palavras de ordem e tratando-os como barões do atraso. No fundo, esse é um velho script latino-americano: o capital achando que pode cavalgar a fera da revolução, apenas para descobrir, tarde demais, que era ela quem o conduzia.
“Cria cuervos”, diz o provérbio espanhol. A Faria Lima criou. E agora assiste a tudo, atônita, com o vazio de suas órbitas oculares.


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