‘É a meca do basquete, a melhor arena de todo o mundo.’ A fala é de ninguém menos que LeBron James, após anotar um triplo-duplo no Madison Square Garden, em Nova Iorque, em fevereiro deste ano. O ginásio, provavelmente o mais famoso do mundo, é reconhecido por inesquecíveis jogos de basquete, hóquei, shows dos mais consagrados artistas e também pela atuação histórica de um brasileiro há exatos dez anos.
Em 7 de outubro de 2015, Ricardo Fischer, então armador do Bauru Basket, anotou um tiplo-duplo em pleno MSG contra o New York Knicks durante a pré-temporada da NBA. Foram 11 pontos, 10 rebotes e 10 assistências, para o primeiro brasileiro a atingir tal marca enfrentando uma equipe melhor liga do mundo.
“Até hoje, dez anos depois, eu tava com meu pai e com meu irmão aqui em casa e a gente relembrou essa data. Foi bem especial, até hoje eu não acredito muito que aconteceu,” brincou Fischer em entrevista exclusiva á ESPN.
Frente a frente com os ídolos
Os Knicks vinham da pior temporada da história da franquia em 2014/15, com apenas 17 vitórias e 65 derrotas (campanha ‘igualada’ posteriormente em 2018/19). O desempenho ruim, ao menos, rendeu a quarta escolha no Draft, que virou o pivô letão Kristaps Porzingis, que fez a primeira camisa vestindo a camisa azul e laranja justamente contra o Bauru Basket.
Mas a grande estrela novaiorquina era Carmelo Anthony. O astro da NBA jogou por 20 minutos e anotou 17 pontos, além de pegar três rebotes. O elenco dos Knicks também contava com nomes como Jose Calderon, Derrick Williams, Robin Lopez e Langston Galloway, de longas passagens pela liga.
O técnico era o lendário Derek Fisher, que fez carreira e foi pentacampeão pelo Los Angeles Lakers, além de boas temporadas por Golden State Warriors, Oklahoma City Thunder, entre outros times.
“Era tudo muito especial. Você começa a ver: ‘Derek Fisher aqui, do lado é o Carmelo Anthony…’ Até respirar e falar ‘bom, agora a gente tá jogando basquete’ demorou um pouco”, lembra o brasileiro.
Um ano que nunca será esquecido
Os anos de 2014 e 2015 foram mágicos na história do Bauru Basket e de Ricardo Fischer. A equipe vivia seu auge, com nomes como Larry Taylor (deixou o clube antes dos amistosos), Alex Garcia, Rafael Hettsheimeir, Robert Day, Léo Meindl, Jefferson William, Paulinho Boracini, entre outros. No comando, Jorge Guerra, o ‘Guerrinha’, ídolo do basquete bauruense.
Na temporada 2014/15 o time foi campeão da Liga Sul-Americana (segundo torneio continental em importância), Liga das Américas (atual Basketball Champions League Americas, principal torneio continental) e vice-campeão no NBB.
Os títulos continentais renderam ao Dragão os convites para disputar dois amistosos contra o New York Knicks (100 x 81) e contra o Washington Wizards (134 x 100) na pré-temporada da NBA, que meses antes tinha firmado uma parceria com o NBB. Antes, porém, o time disputou o Torneio Intercontinental contra o Real Madrid de um jovem Luka Doncic, no ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, com uma vitória para cada lado.
No primeiro jogo, Bauru perdia até os instantes finais, quando Ricardo Fischer recebeu a bola na lateral da quadra, infiltrou pelo lado esquerdo e virou a partida restando apenas quatro segundos no cronômetro, levando o Ibirapuera ao delírio. No mesmo ano, o armador também foi medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos.
Todos estes feitos, e a grande temporada 2014/15 no NBB (médias de 11,4 pontos, 6,3 assistências, 3,8 rebotes e incríveis 43% de aproveitamento do perímetro), garantiram muitos holofotes para Fischer, que recebeu uma série de ofertas do basquete europeu. Uma série lesão no ano seguinte adiou o sonho do velho continente em alto nível (já tinha passado pela Suíça logo que se profissionalizou), concretizado apenas em 2017, quando jogou pelo Bilbao Basket, na Espanha.
“A repercussão que teve foi muito especial. O jogo do Real Madrid e o jogo da NBA começaram a abrir muitas portas pra mim na Europa. Tanto que nesse mesmo ano, em dezembro, chegou uma proposta do Unicaja (Espanha), porque tinha machucado o armador deles. Só que na época eu tava com contrato com Bauru, acabou não liberando no meio da temporada,” conta Fischer.
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‘Só faltam dois rebotes’: Ricardo Fischer lembra quando o avisaram que estava perto do triplo-duplo
Ricardo Fischer é autor do único triplo-duplo brasileiro na história da NBA
O jogo histórico
A partida começou equilibrada, e Fischer, discreto. O grande nome bauruense no primeiro quarto foi Rafael Hettsheimeir, que acertou vários arremessos de três pontos. Mais inteiro, o Dragão conseguiu vencer o primeiro período por 24 x 25.
Mas o segundo quarto foi todo dos Knicks, que aproveitaram a superioridade física e tiveram enorme sucesso pontuando perto da cesta. O placar de 36 x 19 foi crucial para a vitória americana, apesar dos esforços de Fischer e companhia.
O segundo tempo também foi muito equilibrado, com vitória de 37 x 40 para os Knicks, nos momentos de maior brilho na pontuação e rebotes de Ricardo Fischer. No fim, o placar de 81 x 100 não traduziu o que foi a partida, e Bauru saiu muito satisfeito com o resultado. Veja as estatísticas do jogo.
“Deu jogo. Se tivesse jogado os principais jogadores por mais tempo, acho que poderia ser um jogo mais apertado, e vou te falar, a gente poderia até ganhar. Mas contra Washington a gente não teve nenhuma chance,” aposta Fischer.
“Só faltam dois rebotes”
Obviamente não estava nos planos de Ricardo Fischer fazer um triplo-duplo em pleno Madison Square Garden. Mas o início com muitas assistências e rebotes, com a pontuação vindo aos poucos ao longo do jogo, perimtiu ao brasileiro sonhar com a marca.
Só que nem ele percebeu o que estava prestes a acontecer.
“Quem ‘cantou’ foi o diretor na época, que era o Vitinho Jacob. Dentro do Madison eles têm um telão com as estatísticas que dá pra ver, dos jogadores. Mas eu nem tinha me ligado, estava jogando, tava até um jogo parelho. Aí faltando oito, nove minutos do último quarto o Guerrinha pediu um tempo. E aí o Vitinho veio atrás de mim e falou assim: ‘cara, faltam dois rebotes pra você fazer o triplo-duplo,'” lembra o armador*.
“Aí eu olhei pra cima e nem lembro o que o Guerrinha tava falando no tempo. Falei ‘parou, parou, parou.’ Todo mundo ficou olhando pra mim. Aí eu falei ‘galera, faltam dois rebotes para fazer o triplo-duplo. Se eu gritar ‘sai’, vocês saem.'”
Dito e feito.
Pouco depois, Cleanthony Early errou um arremesso de média distância. O rebote quase ficou com Jefferson William, mas Ricardo Fischer pulou na frente do pivô e garantiu o fundamento. No minuto seguinte, após chute errado de Jerian Grant, todo mundo cumpriu o combinado: Hettsheimeir e Robert Day abriram espaço para Fischer garantir o último rebote que faltava para alcançar o triplo-duplo.
“E aí todo mundo começou a comemorar, e o ginásio não entendeu nada, né? A gente perdeu de 15 pontos e estávamos comemorando.”
*Na verdade o pedido de tempo foi dos Knicks, restando 5 minutos e 54 segundos para terminar o jogo.
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Fischer reflete sobre o ano mágico de 2015: ‘abriu as portas internacionalmente’
Armador brasileiro anotou triplo-duplo na NBA, arremesso da vitória contra o Real Madrid de Luka Doncic e foi medalha de ouro no Pan-Americano
Carreira vitoriosa
Fischer é considerado um dos principais armadores de sua geração. Presença constante na seleção brasileira no meio da década passada, tem diversos títulos por clubes tradicionais do basquete brasileiro. Porém, uma séria lesão no joelho, em 2016, e outras pequenas contusões ao longo da carreira impediram um maior sucesso internacional.
Ainda muito jovem, alternando entre torneios de base e profissionais, Fischer jogou pelo Hebraica, Sion-Herens (Suíça), Grand Saconnex (Suíça) e Barueri.
Mas foi em 2010, quando chegou ao São José, que Fischer despontou para o cenário profissional brasileiro. As boas atuações o levaram até o Bauru Basket em 2012, para jogar ao lado do irmão, Fernando Fischer, e de um grande elenco que estava sendo montado a partir de um novo patrocinador que chegou ao time e mudou a realidade financeira do Dragão.
Jogando na Panela de Pressão, ginásio bauruense, Fischer se tornou um dos grandes nomes da posição, figurando nas listas de Rubén Magnano, então treinador da seleção brasileira. Após a lesão no joelho, foi para o Flamengo, onde atuou em 2016/17.
Depois, rumou para a Espanha, onde jogou no Bilbao Basket por uma temporada.
De volta ao Brasil, atuou por Corinthians, Brasília, mais uma vez pelo Flamengo e São Paulo. Agora, na temporada 2025/26, aos 34 anos, Fischer irá defender as cores do Minas Tênis Clube.
Os ‘quase’ triplos-duplos brasileiros na NBA
O feito de Fischer ganha proporções ainda maiores pelo fato de nenhum dos 19 brasileiros a jogar na NBA ter conseguido anotar um triplo-duplo durante a temporada regular. Em duas oportunidades, porém, quase chegaram lá.
O que chegou mais perto foi o pivô Anderson Varejão. No dia 30 de outubro de 2012, na abertura da temporada 2012/13, Varejão, jogando pelo Cleveland Cavaliers, fez 9 pontos, 23 rebotes e 9 assistências na vitória por 94 x 84 contra o Washington Wizards em 37 minutos em quadra.
A segunda atuação mais próxima de um triplo-duplo foi do também pivô Nenê Hilário. Em 13 de abril de 2016, pelo Washington Wizards, ele anotou 19 pontos, 8 rebotes e 8 assistências em 28 minutos em quadra contra o Atlanta Hawks.
Tanto Varejão quanto Nenê, além de Leandrinho Barbosa, Tiago Splitter, Marcelinho Huertas e Bruno Caboclo já ficaram a três ou quatro marcações nos fundamentos necessários para o triplo-duplo em outras oportunidades. Mas nunca tão próximo quanto as duas partidas acima.