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Os misantropos – Revista Oeste

Alceste, o misantropo de Molière, é um exemplo literário conhecido de delírio de auto-percepção. Imaginando-se moralmente tão superior a todos, e posando invariavelmente como o portador exclusivo das mais excelsas virtudes, não percebia o quanto a sua performance o tornava ridículo. Acreditando demais no personagem que criou para se apresentar em público, e tornando-se tanto mais cômico quanto mais caprichava na performance, Alceste irritava-se toda vez que sua autoimagem de homem moralmente superior era desafiada.

Na última terça-feira, 12, os Alcestes da Suprema Corte brasileira ficaram bastante irritados, uma vez que sua fantasia de guardiões sagrados da democracia foi completamente rasgada. O responsável pelo desnudamento vexatório foi o “Relatório Anual do Departamento de Estado dos EUA sobre Direitos Humanos e Liberdades Políticas”, que denunciou o Brasil pelas violações de direitos humanos cometidas pelo regime PT-STF.

Não economizando nos adjetivos, o documento afirma que “os tribunais tomaram medidas amplas e desproporcionais para minar a liberdade de expressão e a liberdade na internet, bloqueando milhões de usuários e removendo conteúdo de maneira inconsistente com o direito internacional”. E conclui taxativamente que “a situação dos direitos humanos no Brasil piorou significativamente”.

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Foi um golpe duro demais para os nossos misantropos, que o acusaram como quem levasse um soco no fígado. Na GloboNews, um dos porta-vozes da juristocracia nacional, Valdo Cruz, sofreu junto com os togados por sua ilusão estilhaçada. “O relatório é uma piada de mau gosto” — urraram os ventríloquos por meio de seu bonequinho. Também pudera: dormiram sonhando em entrar para a história como paladinos da democracia e do Direito, mas acordaram arrolados ao lado dos ditadores mais paradigmáticos do mundo.

A companhia dos misantropos do Brasil

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O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, sorri ao posar para foto ao lado do ditador venezuelano, Nicolás Maduro | Foto: Divulgação/Agência Brasil

Sim, o Brasil figura no relatório ao lado de nações como Nicarágua, Irã e Venezuela — regimes cuja irritação com críticas internacionais já faz parte do folclore diplomático. Em Manágua, quando se apontam as prisões arbitrárias, o regime de Ortega responde com o mesmo desprezo e nacionalismo performático que agora ecoa no plenário da Suprema Corte brasileira e nos estúdios da GloboNews. No Irã, quando se denunciam execuções sumárias, a retórica da “ofensa à soberania” cumpre o mesmo papel: blindar o abuso com o verniz do orgulho nacional.

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Daí que, mimetizando o comportamento de seus pares estrangeiros, a afetação de orgulho ferido por parte dos nossos magistrados só reforça a sua identidade real (distinta da imaginária) de violadores internacionais de direitos humanos. E, ao contrário da falácia que esses violadores pretendem vender aos seus compatriotas, não é a Justiça brasileira que se humilha perante potências estrangeiras, mas o arbítrio que, subitamente exposto, percebe-se nu diante do mundo.

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