Parentes de ministros atuando como advogados no Superior Tribunal de Justiça (STJ) provocam desconforto tanto dentro da própria corte quanto entre profissionais das maiores bancas do país. A queixa surge de forma reservada entre magistrados e advogados, que apontam movimentações não só dentro dos autos, mas também nos bastidores.
Relatos feitos por quatro ministros e diversos advogados indicam que o maior incômodo não está na atuação formal, mas nas articulações fora dos processos. Nessas situações, os nomes dos parentes sequer aparecem nos autos, o que impede a declaração oficial de impedimento ou suspeição dos ministros envolvidos. O STJ nem o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) não se manifestaram sobre o assunto.
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A legislação brasileira obriga magistrados a se declararem impedidos sempre que eles próprios, seus cônjuges ou parentes tenham participado de um processo como advogados ou membros do Ministério Público. Quando se trata de suspeição, o critério é subjetivo, baseado em relações pessoais, financeiras ou de inimizade.
Um ministro, em caráter reservado, afirmou ao jornal Folha de S.Paulo que a situação se agravou depois de uma lei sancionada em 2022, durante o governo Jair Bolsonaro. Essa norma modificou o Código de Processo Civil e liberou atividades de consultoria e assessoria jurídica, verbal ou escrita, sem exigência de contrato formal ou procuração.


Com essa mudança, advogados passaram a firmar contratos particulares, mantendo-se fora dos autos. Isso impede que tanto as partes adversárias quanto os próprios ministros saibam que esses profissionais estão atuando nos bastidores de determinadas causas.
Dados de 2016 revelaram que parentes de dez dos 33 ministros advogavam no STJ
Dados de 2016 revelaram que parentes de dez dos 33 ministros advogavam no STJ. Um levantamento mais recente, publicado pelo portal UOL em 2024, mostrou que metade dos ministros possui filhos ou parentes atuando formalmente em quase mil processos. Também há registros de parentes de ministros aposentados e de integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) exercendo essa função.
Nos bastidores da corte, esses profissionais ganharam o apelido de “príncipes”. Escritórios de advocacia de grande porte relatam pressão indireta para incluir parentes de ministros nas causas. Clientes costumam acreditar que essa é a única maneira de garantir acesso ou influência sobre os julgadores.


O avanço desse fenômeno tem reflexo direto em processos bilionários. O embate entre Walter Faria, proprietário do Grupo Petrópolis, e gestores financeiros envolveu pelo menos dez parentes de integrantes da cúpula do Judiciário brasileiro.
Outros litígios seguem a mesma dinâmica. A disputa pela Eldorado Celulose entre J&F e Paper Excellence, encerrada em acordo no fim de maio, e o conflito acionário pela Usiminas entre CSN e Ternium também contaram com a participação de parentes de ministros do STJ e do STF.
Essa prática não se restringe às cortes superiores. Tribunais estaduais e federais vivem situações semelhantes
Essa prática não se restringe às cortes superiores. Tribunais estaduais e federais vivem situações semelhantes. Filhos de desembargadores mantêm escritórios de advocacia, alguns já investigados por suspeita de comercialização de sentenças.


Foi exatamente esse o caso da operação deflagrada, em 2023, contra o juiz federal Cândido Ribeiro, do TRF-1, e seu filho. Ambos foram acusados de vender decisões para uma organização criminosa envolvida com tráfico internacional, lavagem de dinheiro e crimes financeiros. Ribeiro se aposentou logo depois das investigações e não se manifestou publicamente.
Outro exemplo emblemático surgiu na operação Faroeste, que atingiu o Tribunal de Justiça da Bahia. Durante as apurações, o filho de uma desembargadora chegou a fechar um acordo de delação premiada, que incluía a própria mãe. O acordo foi posteriormente anulado por descumprimento.
Nos Tribunais de Justiça de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Tocantins, o cenário se repete. As investigações, sob responsabilidade do ministro do STF Cristiano Zanin, miram esquemas de venda de decisões e vazamento de informações confidenciais. Até agora, os alvos são funcionários, ex-funcionários do STJ, lobistas e advogados que não possuem parentesco direto com os magistrados.