Anthony Esolen, professor, tradutor e ensaísta norte-americano conhecido por sua prosa vigorosa e seu pensamento contracultural, oferece em Em Defesa dos Garotos (Kírion) uma obra profundamente crítica à cultura contemporânea e, em especial, às formas como a masculinidade e o desenvolvimento dos meninos têm sido tratados na educação moderna, na mídia e na sociedade em geral. Combinando análise cultural, observações filosóficas e memórias pessoais, Esolen escreve um manifesto apaixonado pela recuperação da infância masculina em sua essência mais natural, rebelde e criadora. Alinhado, em partes, às conclusões gerais de Jonathan Haidt em Geração Ansiosa, Anthony exibe um livro de cunho mais livre, ensaístico, partindo de um pressuposto comum: os meninos devem ser criados e testados mais no turbilhão do desafio do que no aconchego do cuidado.
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Esolen parte da constatação de que vivemos numa era que, em nome da igualdade, tem minado tudo o que é distintivamente masculino. A infância dos meninos tem sido progressivamente patologizada: sua energia é vista como desordem e indecência; sua imaginação como ameaça; seu desejo de aventura como risco a eles próprios e a terceiros. As escolas, a mídia e mesmo muitas famílias, segundo o autor, vêm moldando os meninos para que sejam algo que não são: meninos domesticados, passivos, sem senso de missão ou transcendência em suas ações.
O cerne de sua defesa é teleológica, diga-se sinceramente. Ele insiste que há um telos, um propósito, uma natureza intrínseca à masculinidade que deve ser respeitada e cultivada ‒ não negada ou desconstruída. Existe nos meninos, em suma, uma tendência natural dada pelo divino, e essas inclinações devem ser domadas, mas não suprimidas. Esolen não apela a estereótipos fáceis, mas a uma antropologia clássica e cristã do ser humano: homens e mulheres são diferentes, complementares, e essas diferenças importam. A igualdade está primordialmente na dignidade mútua, mas homens e mulheres são diferentes e exercem, naturalmente, papéis diferentes — e tudo bem.


A história de Em Defesa dos Garotos
O livro se divide em capítulos que abordam aspectos centrais da experiência masculina na infância:
- A necessidade do mundo selvagem e da aventura: para Esolen, o menino precisa de espaço ‒ físico e simbólico ‒ para explorar, arriscar-se, sujar-se, imaginar batalhas, construir fortalezas de gravetos e lutar contra dragões imaginários. Isso é essencial não só para o seu crescimento físico, mas para a formação do caráter e da coragem. O imaginário, para ele, assim como para Northrop Frye, é parte essencial do desenvolvimento integral do homem;
- A fraternidade masculina: a amizade entre garotos, com sua linguagem própria, desafios, rivalidades e lealdades, é apresentada como um elemento formador vital. A cultura atual, segundo o autor, tem interrompido ou deformado essas amizades por meio da sexualização precoce, do isolamento virtual e da vigilância institucionalizada;
- A figura paterna e os modelos de masculinidade: Esolen denuncia a ausência do pai como um dos maiores fatores de crise para os meninos. Ele afirma que meninos precisam de homens bons para admirar, obedecer e eventualmente superar. Sem modelos, restam caricaturas: ou o moleque delinquente, ou o menino fragilizado. E aqui fica uma crítica maior do autor, uma crítica sociológica, a de que homens que fogem da paternidade se mostram fracos e, por consequência, debilitam suas próprias proles.
- A imaginação e a transcendência: em um capítulo importante, o autor defende o papel da literatura clássica e das histórias heroicas na formação da alma masculina. Contos, mitos, histórias bíblicas e narrativas épicas dão forma à imaginação moral dos meninos, dando uma razão profunda para a ação virtuosa, à privação voluntária ante vícios e à conduta ordeira. A cultura atual, ao ridicularizar esses valores, priva-os da linguagem simbólica necessária para compreender seu lugar no mundo.
Um escritor de qualidade
Esolen escreve com paixão, ironia refinada e erudição. Ele mescla reflexões filosóficas com lembranças pessoais — descrevendo, por exemplo, as aventuras de sua própria infância, ou cenas de sua experiência como professor universitário. O tom é provocativo, deliberadamente reacionário no sentido literal: reage contra as tendências dominantes da pedagogia moderna, do igualitarismo ideológico e da cultura “woke”.
Há momentos em que o livro parece quase panfletário, e leitores mais progressistas o considerarão uma propaganda conservadora e cristã. No entanto, mesmo críticos reconhecerão que Esolen oferece uma crítica articulada e coerente a certos aspectos empobrecedores do discurso moderno sobre gênero e educação. Como disse no início, alguns pontos centrais se alinham à Geração Ansiosa, de Jonathan Haidt, e não tem como acusar Haidt de reacionarismo e conservadorismo.
Apesar de sua prosa eloquente, o livro se apoia pouco em dados empíricos. Esolen baseia-se sobretudo em observações culturais, exemplos literários e experiências pessoais. Para quem busca estatísticas e pesquisas acadêmicas sobre desenvolvimento infantil ou psicologia educacional, a obra pode parecer impressionista. Seu estilo não engana, ele busca um livro ensaístico desde o início, e suas reflexões e insights são de fato fundamentados numa cultura cristã profunda, reconhecível por aqueles que já consomem literaturas dessa matriz.
Por que Em Defesa dos Garotos é necessário
Apesar das controvérsias, Em Defesa dos Garotos é uma leitura necessária — especialmente num tempo em que há um aumento alarmante de ansiedade, depressão e perda de propósito entre meninos e jovens homens. Esolen não propõe fórmulas mágicas, mas uma redescoberta do que significa ser menino: um ser em formação, com vocação para o heroísmo, para a transcendência, para o sacrifício e para a beleza bruta do mundo. Ao nos lembrar da importância da masculinidade desde a mais tenra idade, ele oferece uma contribuição relevante, ainda que desconfortável ao progressismo contemporâneo.
Em Defesa dos Garotos é, ao mesmo tempo, um lamento e uma convocação. Anthony Esolen lamenta a perda de um mundo em que os meninos podiam crescer como meninos, e convoca pais, educadores e a sociedade a resgatar esse mundo — não como um retorno ao passado, mas como um reconhecimento do que os meninos sempre precisaram: liberdade, orientação, modelos e sentido. Concorde-se ou não com suas premissas, o livro é um chamado sincero a levar os meninos a sério — em sua diferença, em sua necessidade e em sua promessa.

