Pesquisadores apoiados pela Fapesp identificaram clones de Escherichia coli resistentes a antibióticos em aves silvestres mantidas no centro de reabilitação do Orquidário Municipal de Santos, no litoral paulista. As bactérias, comuns em infecções humanas graves, foram encontradas no trato intestinal de um urubu e de uma coruja.
Essas cepas já foram associadas a infecções hospitalares e comunitárias em diversos países. Em humanos, podem provocar complicações em pacientes com sistema imunológico fragilizado, com poucas opções terapêuticas eficazes.
“Escherichia coli é comum no intestino de animais e pessoas, mas se torna perigosa quando invade a corrente sanguínea ou causa infecções urinárias e renais. Em pacientes imunocomprometidos, clones multirresistentes como esses podem levar à morte”, explica Fábio Sellera, professor da Universidade Metropolitana de Santos (Unimes) e um dos coordenadores do trabalho.
Risco ambiental
Segundo os pesquisadores, os centros de reabilitação são essenciais para mitigar impactos da ação humana sobre a fauna. No entanto, não existem protocolos baseados em evidências científicas para monitorar ou tratar a presença de microrganismos resistentes nesses locais, o que pode representar risco tanto para a fauna quanto para a saúde pública.
As análises mostraram que os genes de resistência estão em elementos genéticos móveis, capazes de se transferir para outras bactérias, inclusive de espécies diferentes. “Mesmo microrganismos que nunca tiveram contato com antibióticos podem se tornar resistentes. Por isso, é fundamental o monitoramento constante do meio ambiente e dos potenciais hospedeiros”, afirma Nilton Lincopan, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e também coordenador do estudo.
Casos registrados
O urubu, resgatado em área periurbana e já colonizado pela bactéria, morreu pouco depois de chegar ao centro devido a fraturas múltiplas. Já a coruja vive há dez anos na instalação após sofrer uma colisão e não pode ser devolvida à natureza. Ela recebeu antibióticos em diferentes momentos, o que levanta dúvidas se já estava colonizada ou adquiriu a bactéria no local. No total, 49 animais tiveram amostras coletadas, entre aves e mamíferos. Nenhum apresentou sinais clínicos de infecção.
Próximos passos
Para os pesquisadores, os centros de reabilitação podem se tornar aliados no monitoramento de patógenos de importância médica. Sellera defende a adoção de protocolos que incluam testagem na admissão, isolamento dos animais colonizados e tentativas de descolonização antes da reintrodução na natureza.
Um exemplo vem do Projeto Cetáceos da Costa Branca, no Rio Grande do Norte, que testa patógenos em animais como o peixe-boi e estuda o uso de probióticos para reduzir a colonização antes da soltura.
“O que encontramos nesses centros é uma amostra do que circula na natureza. Além de proteger a vida selvagem, eles podem ter um papel estratégico no monitoramento de microrganismos que afetam os humanos”, afirma Lincopan.