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Por que é ‘mais fácil’ para mulheres ‘saírem do armário’ no futebol?

Na final do Campeonato Mineiro feminino de 2023, Byanca Brasil fez o gol do título do Cruzeiro no clássico contra o Atlético-MG. Na comemoração, com as cores do arco-íris nas tranças de seu cabelo, ela ergueu a bandeirinha de escanteio também customizada em referência ao movimento LGBTQIA+ e foi abraçada por todas suas companheiras. Fora de campo, também foi celebrada pelo ato.

Dois anos antes, em junho de 2021, durante o Mês do Orgulho LGBTQIA+, o Vasco usou uma camisa especial com as cores do arco-íris em partida contra o Brusque na Série B. O atacante Germán Cano marcou e fez exatamente a mesma comemoração de Byanca Brasil. A reação ao gesto, contudo, não foi igual, gerando polêmica até mesmo com um de seus companheiros, o zagueiro Leandro Castán.

“O futebol feminino, ele abraça. É muito natural esse movimento”, resumiu Bárbara Fonseca, diretora de futebol feminino do Cruzeiro e ex-atleta, em entrevista à ESPN. “Se vê um manifesto muito claro dessas atletas hoje, em 2025, homoafetivas, declaradas, em paz internamente dentro do clube, em paz com torcida, em paz com imprensa, vivendo a vida da forma que acharem melhor.”

A presença de mulheres LGBTQIA+ no futebol feminino sempre existiu, mas o caminho até que a diversidade pudesse ser celebrada publicamente está longe de ter sido curto. E, mesmo em um ambiente de maior receptividade, não quer dizer que “sair do armário” não seja desafiador.

Entre o nascer LGBTQIA+ e o se aceitar como tal existe um longo processo de descoberta pessoal. Com ele, surgem os receios e os medos. Medo da rejeição da família e amigos próximos, do julgamento, dos olhares tortos, dos comentários desagradáveis, seja pessoalmente ou nas redes sociais, e tantos outros obstáculos ainda rondam as jogadoras que lutam por um esporte mais justo.

A conversa com a família costuma ser o primeiro passo após a aceitação pessoal. Ter o apoio incondicional de quem se ama muda tudo. “O maior temor, pelo menos para mim, sempre foi a minha família. Era quem convivia comigo, quem a opinião sempre me importou, então isso sempre foi um peso, mas que muito nova eu me assumi, então foi ficando mais leve conforme o tempo foi passando”, dividiu Byanca Brasil.

Para Bia Menezes, meia do São Paulo, contar para a mãe foi um momento delicado, já que a familiar sempre teve uma ligação muito forte com a religião, mas a atleta se surpreendeu com a resposta. “Ela falou: ‘minha filha, não importa o que você faça, de quem você goste, seja homem ou seja mulher, eu só quero que você continue me enchendo de orgulho’. Ouvir isso da minha mãe me deu muito mais força, mais coragem para enfrentar o preconceito”.

Julieta Morales é uma amostra clara do acolhimento que o futebol feminino, já que foi no meio que encontrou exemplos e conseguiu interpretar seus sentimentos. “Me entendi como LGBTQIA+ no primeiro time que eu joguei. Comecei com essa confusão de não saber o que estava acontecendo comigo. Com o tempo fui processando e entendendo melhor, também vendo outras jogadoras. Entendi que estava tudo bem, que era algo supernormal.”

“A gente se assume e a gente enfrenta isso com unhas e dentes. Demoramos tanto tempo pra conquistar o nosso espaço, porque a gente vai voltar para um armário que a gente não quer estar? É esse apoio que a gente tem uma com a outra, essa rede de proteção, que faz com que outras mulheres tenham coragem de se assumir e de serem quem elas querem ser, o que não tem no futebol masculino”, complementou Bia Menezes.

A comparação com o futebol masculino é válida e nos faz olhar, também, para a questão de gênero. Se o preconceito já existe com as mulheres, no futebol de homens ele é ainda mais gritante. Se assumir como LGBTQIA+, nesse caso, pode significar, além dos ataques, o fim precipitado da carreira.

Bia Menezes relembra o caso de Richarlyson, tricampeão brasileiro e vencedor do Mundial de Clubes defendendo a camisa do São Paulo e da CONMEBOL Libertadores pelo Atlético-MG. O atleta, mesmo sem ter se assumido abertamente enquanto jogava, atravessou muitas dificuldades ao longo de sua carreira.

“O Richarlyson é a prova viva de que ele não conseguia se assumir de forma alguma por conta do ambiente. Era um baita jogador, com uma história muito linda no São Paulo, e ele não conseguia ser ele, como ser humano. O Richarlyson atleta, ele podia ser, mas ele não podia ser o ser humano que ele queria ser dentro do ambiente de trabalho, simplesmente porque existia o preconceito”, comentou.

É difícil encontrar exemplos dentro do futebol masculino profissional no Brasil. Bárbara Fonseca levanta um questionamento: “Qual atleta hoje (de futebol masculino) que se sente em paz e à vontade de se declarar gay? É raríssimo. O que tiver coragem de fazer isso, sabe que tem que estar muito forte emocionalmente, porque ele vai receber uma carga de cobrança, de preconceito muito grande”.

O peso do preconceito e o medo constante do julgamento impedem que muitos jogadores possam expressar livremente suas identidades, destaca Bia Menezes. “Imagina você viver num ambiente e você se sentir oprimido o tempo inteiro, durante toda a sua carreira, você não poder ser você e as pessoas te julgarem por isso.”

O processo de se assumir publicamente como atleta LGBTQIA+ na internet, seja abordando a causa ou compartilhando fotos com suas parceiras, oscila entre o apoio e o ódio. Enquanto há comentários de torcedores celebrando o amor livre e valorizando a coragem de vir à público da atleta, outros destilam ódio com mensagens preconceituosas e tentativas de invalidação.

“A gente vê que muitos homens fazem esses comentários, que lugar de mulher não é no campo, é na cozinha, é passar uma roupa. São pessoas vazias, completamente com a mente fechada, e não tem a capacidade de tentar evoluir como ser humano. As palavras podem machucar mais do que um tapa. Espero muito que esse tipo de pessoa evolua”, desabafou Bia Menezes.

Ao compartilhar uma foto com a esposa, no Dia dos Namorados, Byanca Brasil sofreu ataques de usuários afirmando ser errado e que Deus não deveria ser citado no meio “disso”. “Eu sei o quanto é difícil ler isso para quem não tem a questão resolvida dentro do seu âmbito familiar ou fora dele. Só vai aumentando o seu medo e você vai guardando o que você sente e não se sente livre, que é a pior coisa do mundo.”

“Todos juntos deveríamos lutar para que isso se normalize e que já não se tenha que sair contando por aí. Não devemos ficar nos defendendo todo o tempo, assim como as pessoas heterossexuais não têm que sair a contar que são heterossexuais, também não deveria acontecer isso com as pessoas que gostam do mesmo gênero”, acrescenta Julieta Morales.

A cada postagem nas redes sociais, a cada aparição ao lado de quem se ama, a cada gol comemorado levantando a bandeira, mesmo que figurativamente, essas mulheres não apenas contam as suas histórias, mas lutam pelos seus ideais e pavimentam o caminho para que as novas gerações possam viver sem medo de serem exatamente quem são.

A bandeira, literalmente, levantada após o gol em 2023 é um marco até hoje para Byanca Brasil. “A maior mudança de chave, para mim, foi depois da final do Mineiro. Recebi muitas mensagens, de pessoas que são assumidas e também de quem não é. Todo mundo se sentiu muito representado por mim e ali eu pensei ‘eu preciso realmente falar mais disso’. Sempre que eu tiver a oportunidade, vou levantar essa bandeira, porque eu sei o quanto é bom você se sentir livre.”

Neste Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, as vozes dessas atletas ecoam não apenas no campo, mas também nas arquibancadas, nas redes sociais e dentro de muitas casas onde alguém, em silêncio, ainda sonha em se sentir livre.

“Que as pessoas entendam que a nossa liberdade é inegociável. Que a gente não se limite para agradar o outro. Que a gente rompa os limites para ser feliz, independentemente do que as pessoas vão achar, independente dos julgamentos que virão. Decidir ser feliz é uma escolha que a gente tem que fazer todos os dias”, finaliza Bia Menezes.

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