O senhor sabe o que significa ver o leite virar prejuízo? Significa assistir a milhares de famílias empobrecendo em silêncio, enquanto o governo comemora indicadores macroeconômicos que não chegam ao interior.
O litro de leite pago ao produtor familiar vale hoje menos do que custa produzir. São mais de 5 milhões de brasileiros, entre produtores e familiares, que sobrevivem dessa atividade. E, no entanto, essa crise crônica vem há um bom tempo empurrando esses produtores para o bolsa família ou para fora do campo.
Não se trata de mercado, Presidente. Trata-se de gente.
A produção de leite familiar precisa ser tratada como questão social e de segurança alimentar, não como um número de planilha.
Em outubro de 2025, o preço médio nacional pago ao produtor foi de R$ 2,22 por litro, contra R$ 2,66 há um ano.
Em estados como o Paraná, há produtores recebendo menos de R$ 2,00, quando o custo de produção ultrapassa R$ 2,20.
Resultado: famílias endividadas, tanques vazios e propriedades sendo vendidas, é o êxodo rural silencioso.
Por que o leite brasileiro ficou sem valor
- Custos em alta: ração, energia e logística dispararam.
- Consumo interno estagnado: a inflação apertou o bolso do consumidor urbano.
- Importações predatórias: leite em pó argentino e uruguaio entram no país muito acima da capacidade produtiva declarada desses países, derrubando os preços locais.
Essa triangulação dentro do Mercosul virou porta aberta para dumping disfarçado — e o Brasil continua fingindo que é livre comércio.
A omissão do governo é parte do problema
O Ministério do Desenvolvimento (MDIC) abriu investigação sobre dumping em dezembro de 2024, mas decidiu não aplicar medida provisória em agosto de 2025.
A justificativa técnica, de que leite em pó e leite in natura não concorrem diretamente, é um equívoco cruel.
Quem vive da ordenha sabe: é o leite em pó que baliza o preço do leite fresco. Quando ele entra barato, o produtor nacional afunda.
O que o governo poderia fazer agora
- Acelerar o antidumping e aplicar tarifas de defesa comercial.
- Fiscalizar a origem e o volume real das importações.
- Ativar compras públicas emergenciais (via Conab e MDS) para retirar excedentes do mercado.
- Usar o PNAE e o PAA para garantir demanda pelo leite da agricultura familiar.
- Ajustar o ICMS dos importados e proteger o produtor local.
Nada disso exige novos impostos, apenas vontade política.
A queda no preço do leite não barateia a vida de ninguém.
Ela destrói pequenos produtores, enfraquece municípios e rompe o elo entre o campo e a cidade.
Cada fazenda que fecha representa menos emprego, menos arrecadação e mais miséria.
Presidente, o senhor precisa usar sua prerrogativa de chefe da nação para solucionar esse problema gravíssimo.
O país precisa decidir se quer importar leite barato ou preservar sua dignidade rural.


*Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política do Canal Rural
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