Parlamentares de esquerda, sobretudo do Partido dos Trabalhadores (PT), foram contra a Medida Provisória 871/2019, que tinha como objetivo combater fraudes no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O argumento foi que entidades associativas de aposentados, como a Contag, são fundamentais para a defesa do Estado Democrático de Direito.
A mesma justificativa também foi usada para embasar o pedido pelo fim da exigência de revalidação anual dos descontos associativos feitos diretamente nos benefícios de aposentados. A apuração é do portal Metrópoles.
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O argumento consta nas emendas apresentadas por deputados e senadores de esquerda para alterar a MP. Embora assinadas pelos parlamentares, as propostas foram redigidas pela própria Contag, conforme revelam os metadados dos documentos.


Historicamente ligada ao PT, a Contag é suspeita de envolvimento em descontos indevidos que podem chegar a R$ 2 bilhões. Ao todo, o nome da entidade ou de sua advogada constam na autoria de 96 das 578 emendas apresentadas.
Segundo o Metrópoles, 15 deputados e senadores — nove do PT — assinaram emendas redigidas pela confederação. A pedido da Contag, os parlamentares retiraram do texto a exigência de revalidação anual de assinaturas e autorizações dos aposentados e pensionistas. A ideia era que a revalidação periódica acabasse com as fraudes atuais e coibisse novos abusos.
Doze dessas emendas tinham como foco o fim da revalidação anual. Elas foram apresentadas por nomes como os então senadores Jean Paul Prates (PT-RN) e Paulo Rocha (PT-PA), e os deputados Marcon (PT-RS), Patrus Ananias (PT-MG), Zé Neto (PT-BA), Celso Maldaner (MDB-SC) e Tereza Nelma (PSD-AL), hoje integrante do governo Lula.
🟠Nunca falha!
“Farra do INSS: veja quais parlamentares apresentaram emendas da Contag !
Contag, suspeita de roubar R$ 2 bilhões nas fraudes do INSS, elaborou 96 emendas à MP 871/2019
Isso revela a capilaridade do lobby da @ContagBrasil , sendo que suas emendas foram… pic.twitter.com/cWpoVozfiY
— Ana LuízaⓂ️🔰🇺🇦 (@AnaLuizaHolan10) June 17, 2025
A justificativa apresentada alegava que as associações sindicais atuam na “proteção dos interesses coletivos e individuais dos partícipes desse grupo” e necessitam de recursos para suas despesas. O texto, elaborado pela Contag, defende que a Constituição garante a liberdade associativa como um direito fundamental, e que a exigência de revalidação anual inviabilizaria os descontos, dada a movimentação constante de autorizações.
A Contag foi a entidade que mais recebeu valores via descontos associativos do INSS — aproximadamente R$ 2 bilhões entre 2019 e 2024. Não se sabe ao certo quanto desse montante pode ter sido obtido de forma fraudulenta.
A Polícia Federal identificou que o presidente da entidade firmou acordos de cooperação técnica com o INSS e solicitou o desbloqueio em lote de 34,48 mil benefícios, o que foi considerado irregular por auditoria interna do próprio instituto. A investigação, parte da Operação Sem Desconto, também apura suspeitas de lavagem de dinheiro de dirigentes e procuradores da Contag.


Há indícios de que R$ 5,2 milhões foram transferidos pela entidade à agência Orleans Viagens e Turismo, que, segundo a PF, recebeu valores desproporcionais e adquiriu veículos de luxo como Porsche 911, Dodge Ram e Volvo XC60. O Coaf também apontou movimentações financeiras incompatíveis com a receita declarada da agência.
Em nota, a Contag afirmou que há mais de 60 anos atua em defesa dos trabalhadores rurais e colabora com propostas no Legislativo, como no debate da MP 871/2019. A entidade sustentou que a medida poderia suspender benefícios, principalmente de segurados rurais com direito ao BPC, e defendeu a revisão apenas de benefícios com indícios de irregularidade.
A Contag repudiou tentativas de associá-la a práticas fraudulentas e disse que continuará na defesa dos trabalhadores do campo. “O movimento sindical rural coordenado pela Contag é legítimo e seguirá na luta pelos interesses da categoria”, diz a nota apresentada pela entidade.
Parlamentares do PT apresentam justificativas
Dos 15 parlamentares que apresentaram as emendas redigidas pela confederação, seis se manifestaram.
💣A denúncia é do @Metropoles:
A CONTAG — investigada por fraudes de R$ 2 bilhões — redigiu 96 emendas relacionadas ao INSS.No papel, são deles.
Na prática, veio pronto — e com remetente claro.➡️ Vamos ao que os documentos revelam. (2/9)
— Felipe D’Avila (@fdavilaoficial) June 22, 2025
O senador Humberto Costa (PT-CE) informou que, como líder da bancada petista na época, apresentou emendas em nome do grupo, “em resposta a solicitações pontuais de categorias, sindicatos e confederações de trabalhadores ligadas ao partido”.
Já o ex-senador Jean Paul Prates afirmou que as propostas atendiam a demandas de sindicatos e categorias ligadas ao partido, e que o foco era impedir a retirada de benefícios, e não defender irregularidades. Ele assinou 11 emendas redigidas pela Contag.
O deputado Zé Neto declarou ao Metrópoles que agiu em defesa das associações rurais e que suas emendas nem chegaram a ser votadas. Segundo ele, nenhum dos textos tratava de convênios com descontos em folha. Ele foi autor de 11 emendas com metadados da Contag.


Já a deputada Jandira Feghali (Psol-RJ) disse que seu gabinete recebe diversas propostas de entidades e que só as apresenta quando concorda com o mérito. Ela negou o costume de protocolar proposições redigidas por terceiros, embora tenha apresentado três emendas com texto da Contag.
O deputado João Carlos Bacelar (PL-BA), por sua vez, negou relação com a Contag e disse desconhecer a origem das emendas com metadados da entidade que apresentou. Ele assinou duas propostas.
O senador Jaques Wagner (PT-BA) informou que se opôs à MP por entender que ela promovia cortes injustos em benefícios de populações vulneráveis. Ele destacou que sua trajetória política é marcada pela defesa dos trabalhadores e que “jamais atuou para o relaxamento no combate às fraudes”.