Israel é conhecido por ser uma democracia parlamentarista. O primeiro-ministro é o representante da maioria de deputados do Knesset (Parlamento). Não necessariamente de um mesmo partido, mas de uma aliança. No entanto, em três ocasiões, o primeiro-ministro foi eleito pelo voto direto, popular, e teve de governar com a maioria do Parlamento.
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Essa experiência fora do padrão parlamentarista ocorreu entre 1996 e 2001, em resposta a uma crescente frustração com a instabilidade dos governos formados nas décadas anteriores. A origem dessa mudança está diretamente relacionada às dificuldades enfrentadas a partir do fim do governo de Menachem Begin (1913 – 1992), do partido Likud, que renunciou em 1983 em meio a uma profunda crise política, social e militar.
Begin havia liderado Israel durante a assinatura do histórico acordo de paz com o Egito, em 1979, mas sua popularidade desmoronou depois da Guerra do Líbano em 1982. A operação militar, lançada com o objetivo declarado de expulsar forças da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) do sul do Líbano, se transformou em um longo e impopular conflito.
O massacre de civis palestinos nos campos de refugiados do vilarejo de Sabra e Shatila, cometido por milícias cristãs libanesas enquanto o exército israelense controlava a área, provocou forte reação interna e internacional.
Além disso, Begin enfrentava problemas de saúde e se isolou politicamente, culminando em sua renúncia em agosto de 1983. Ele foi substituído por Yitzhak Shamir, também do Likud, que herdou um país dividido e uma política externa sob pressão.
Depois de sua renúncia, Israel mergulhou em uma década de governos instáveis, marcados por alianças frágeis e paralisia política. A eleição de 1984 resultou em um impasse tão grave que os dois maiores partidos, o Likud e o Partido Trabalhista, decidiram formar um governo de união nacional.
Esse governo foi estruturado sob um sistema rotativo, no qual Shimon Peres (1923 – 2016), líder trabalhista, assumiu o cargo de primeiro-ministro nos dois primeiros anos, sendo substituído por Yitzhak Shamir (1915 – 2012) na segunda metade do mandato.
Essa fórmula de revezamento, inédita, foi uma solução emergencial para evitar uma nova eleição, mas tornou o processo decisório lento e muitas vezes ineficaz.
Em 1988, um novo governo de união nacional foi formado, novamente liderado por Shamir, mas com o Partido Trabalhista integrando a coalizão. A tensão entre os dois partidos aumentou, até que em 1990, a aliança se desfez.
Isso depois da fracassada tentativa de Shimon Peres de formar um governo alternativo em uma manobra conhecida como “trapaça suja”. A aliança se desfez. Shamir continuou no poder com uma coalizão reduzida e extremamente instável até as eleições de 1992.
Foi nesse ambiente de frustração política que cresceu o apoio a uma mudança no sistema eleitoral. Líderes e parlamentares de diferentes partidos passaram a defender a eleição direta para o cargo de primeiro-ministro, com o argumento de que isso daria mais poder ao eleitor e reduziria a influência desproporcional de partidos pequenos, que frequentemente impunham exigências para integrar coalizões.
Entre os principais defensores da proposta estavam Amnon Rubinstein, do Meretz, Uriel Lynn, ligado ao Likud, e Haim Ramon, do Partido Trabalhista. A reforma foi aprovada em 1992 e previa que os cidadãos passariam a votar separadamente para o Parlamento e para o primeiro-ministro.
Problemas das eleições diretas para primeiro-ministro em Israel
A primeira eleição sob esse novo modelo ocorreu em 1996, depois do assassinato de Yitzhak Rabin (1922 – 1995). Benjamin Netanyahu, do Likud, venceu Shimon Peres por uma margem estreita. Apesar da vitória pessoal nas urnas, Netanyahu não conseguiu garantir uma maioria sólida no Knesset e passou por enormes dificuldades para manter sua coalizão.
Em 1999, Ehud Barak (1942), do Partido Trabalhista, foi eleito com uma vitória expressiva. No entanto, o Parlamento continuava fragmentado, e Barak perdeu apoio rapidamente, sendo forçado a renunciar antes de completar dois anos de mandato.
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Com a renúncia de Barak, foi convocada uma eleição especial em 2001, apenas para o cargo de primeiro-ministro. Ariel Sharon (1928 – 2014), do Likud, foi eleito com ampla maioria, mas herdou um parlamento que havia sido eleito dois anos antes, o que aprofundou o desalinhamento entre Executivo e Legislativo.
Além disso, Sharon assumiu durante a Segunda Intifada, um período de violência intensa entre israelenses e palestinos, o que agravou ainda mais a sensação de paralisia institucional.
A principal falha do sistema era estrutural. A separação dos votos fez com que os eleitores passassem a escolher partidos menores para o Parlamento, mesmo votando em líderes fortes para o Executivo. Isso aumentou a fragmentação do Knesset, tornando as coalizões ainda mais frágeis.
O primeiro-ministro continuava dependendo de acordos parlamentares para governar, mas agora com uma legitimidade própria que nem sempre era acompanhada por apoio legislativo. Criou-se um modelo híbrido disfuncional, que não conferia ao chefe do governo nem os poderes de um presidente nem a base política de um líder parlamentar.
“Como resultado, os pequenos partidos cresceram em tamanho e influência, enfraquecendo ainda mais o que até então era um sistema bipartidário com alguns partidos setoriais de força desproporcional”, lembrou Dan Izenberg, em artigo no The Jerusalem Post em 2006.
Depois de anos de instabilidade e três experiências mal-sucedidas, o sistema foi abandonado.
“As chantagens e extorsões políticas continuaram”, prossegue Izenberg. “O governo de Netanyahu durou apenas três anos; o de Barak, dois.”
Em 2001, o Knesset aprovou o retorno ao modelo tradicional, no qual o primeiro-ministro é escolhido com base na maioria construída entre os partidos, geralmente por meio de alianças, e não pelo voto direto do público. A partir das eleições de 2003, o país voltou ao modelo parlamentarista clássico.
A tentativa de introduzir eleições diretas para o primeiro-ministro em Israel nasceu da decepção com a lentidão e a rigidez dos governos de união nacional dos anos 1980 e da esperança de oferecer mais governabilidade ao país. No entanto, a reforma teve o efeito oposto. Em vez de reduzir a fragmentação política, ela a ampliou.
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Em vez de fortalecer o governo, o enfraqueceu. E em vez de dar estabilidade, aprofundou a crise. A experiência demonstrou que, em regimes parlamentaristas, a legitimidade do Executivo não se sustenta apenas no voto popular, mas sim na articulação contínua com uma base sólida no Parlamento.