Nos Estados Unidos, o Federal Reserve (Fed) sempre foi mais do que um banco central. É a âncora de estabilidade da maior economia do planeta, o guardião do dólar, moeda utilizada como reserva por quase todos os países e referência para a formação de preços das principais commodities. É também a base sobre a qual repousa o mercado financeiro internacional, altamente alavancado e, em grande medida, lastreado na confiança de que o dólar continuará sendo um ativo seguro.
É justamente essa credibilidade que está sob ataque. A interferência do presidente Donald Trump no Fed, pressionando por cortes artificiais de juros e tentando demitir a governadora Lisa Cook em um gesto inédito e politicamente agressivo, abre um precedente perigoso. Se o banco central americano perder sua autonomia, o impacto não será apenas interno: o efeito dominó se espalhará pelos quatro cantos do mundo.
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Os EUA se beneficiam do privilégio de emitir a moeda mundial. Isso permite financiar déficits, sustentar investimentos e administrar sua dívida pública com juros relativamente baixos. Mas esse privilégio depende de um fator intangível e insubstituível: confiança. Sem ela, o dólar perde força, os títulos do Tesouro americano perdem atratividade e os investidores buscam refúgio em outros ativos, como já se vê na disparada do ouro.
Risco global
A história mostra que a politização de bancos centrais cobra seu preço. A Turquia, sob o comando de Erdogan, mergulhou em inflação explosiva; a Argentina tornou-se exemplo crônico de instabilidade; o Japão sofreu décadas de crescimento anêmico após intervenções equivocadas. Repetir esse caminho nos EUA, país que sustenta o sistema monetário internacional, seria muito mais devastador.
Se Trump seguir adiante em sua ofensiva contra o Fed, o maior risco não é apenas a inflação ou a volatilidade de curto prazo. O que se coloca em jogo é a hegemonia americana. Um dólar enfraquecido aceleraria movimentos de desdolarização já em curso, daria espaço ao euro e ao yuan, e enfraqueceria a capacidade dos EUA de impor sua vontade política e econômica no cenário internacional, o que acaba fortalecendo a europa e seu adversário, a china.
No fim das contas, a batalha em torno do Fed não é apenas sobre juros. É sobre poder. Ao fragilizar a independência da instituição, Trump mina o próprio alicerce da supremacia americana. E sem esse pilar, não apenas os EUA, mas todo o mundo correm o risco de mergulhar em uma era de instabilidade prolongada.

*Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política do Canal Rural
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