Tenho por hábito, ao analisar um projeto de lei, iniciar pela leitura de sua justificação, que consiste nos motivos pelos quais o legislador considerou pertinente a propositura do projeto em questão.
A justificação, por vezes, vai muito além do porquê dos dispositivos propostos, revelando aspectos significativos dos momentos histórico e político contemporâneos ao projeto.
O licenciamento ambiental aprovado no Congresso Nacional em julho deste ano foi originalmente proposto em junho de 2004 pelo então deputado Luciano Zica, do Partido dos Trabalhadores, e outros 24 deputados. A exposição de motivos consignava que “tão grave quanto a falta de estrutura operacional pública para o setor de licenciamento ambiental é a notória insegurança jurídica em que vive o setor”.
Mais de 20 anos separam essa motivação dos autores da proposição da presente coluna, e os problemas e queixas, em geral, permanecem os mesmos: falta de recursos humanos, insegurança jurídica, excesso de burocracia e problemas de operacionalização.
O projeto foi sancionado, mas, dos 398 dispositivos, 63 foram vetados pelo presidente Lula, acompanhados de uma medida provisória (MP 1308/2025) e de outro projeto de lei, ou seja, dificilmente haverá pacificação quanto ao tema em um futuro breve, já que, mesmo após o trâmite legislativo e a sanção presidencial, é possível que o Poder Judiciário seja instado a se manifestar sobre determinados pontos.
Ao longo desses 20 anos, um marco importante para o Brasil e o controle do desmatamento foi a instituição do Código Florestal em 2012 (Lei nº 12.651/2012), que trouxe parâmetros claros para coibir o desmatamento ilegal e irrestrito, prevendo instrumentos que auxiliam e efetivam esse controle, quais sejam, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e o Programa de Regularização Ambiental (PRA).
Contudo, já se passou mais de uma década desde esse marco, e menos de 5% dos CARs se encontram validados, o que obstaculiza a plena efetivação do que a lei propôs. Aqui, as duas matérias – licenciamento ambiental e Código Florestal – se encontram na falta de operacionalização dos instrumentos já existentes.
Para a Frente Parlamentar do Agronegócio (FPA), alguns pontos vetados do licenciamento são inegociáveis, entre eles a falta de autonomia de estados e municípios em matéria ambiental e a necessidade de CAR validado para licenças simplificadas. Esses pontos tendem a ser revertidos no Congresso Nacional, com a consequente derrubada dos vetos.
Contudo, apesar dos entraves legislativos e burocráticos, a exigência cada vez maior do mercado importador de produtos brasileiros por padrões mínimos de sustentabilidade – não apenas ambiental, mas também social – fez com que os produtores brasileiros se adequassem. O consumidor está cada vez mais interessado na origem do que consome. O Brasil vem acompanhando essa tendência e o agronegócio brasileiro cresce em produção, especialmente em produção sustentável.
A tecnologia tem se tornado uma importante aliada nesse processo, em especial a biotecnologia. Na década de 1970, a média de produção de soja era de 20 sacas por hectare. Hoje, a média nacional é de 70 sacas por hectare. Alguns produtores já batem recordes de produtividade, atingindo mais de 100 sacas por hectare. Na luta contra o desmatamento, a tecnologia permite uma maior produção em uma menor quantidade de terra. Isso representa, na ponta, segurança alimentar.
Essa importante aliada poderia avançar muito mais, e aqui voltamos a citar o instrumento do CAR. O Cadastro Ambiental Rural validado garantiria que áreas não fossem sobrepostas, trazendo segurança para concessão de crédito, regularização fundiária e, sobretudo, rastreabilidade e conformidade ambiental.
Tudo isso demonstra que, mais do que a norma em si, é imperiosa sua regulamentação, efetiva implementação e eficácia. Em um cenário onde urge a responsabilidade ambiental e social, talvez produtores e sociedade não tenham mais duas décadas para as respostas e segurança que precisam.

*Karina Tiezzi é gerente de Relações Governamentais da BMJ Consultores Associados e consultora em Relações Governamentais. Atuou como assessora legislativa na Câmara dos Deputados, participou da tramitação de proposições de destaque para o setor do Agronegócio, como a chamada MP do Agro (Lei 13.986/2020) e a Lei Geral do Licenciamento Ambiental (PL 3729/2004).
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