Juliana Leite – 09/06/2025 09h28

Era uma vez um país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza, que decidiu, num acesso de lucidez invertida, que rir era perigoso demais.
O comediante, aquele bufão moderno com o microfone na mão e a língua solta, tornou-se inimigo de Estado. Nos palcos das capitais e nas plataformas digitais, a vigilância ideológica pairava como uma nuvem pesada, úmida de ressentimento. O que antes era piada virou processo. A sátira virou inquérito. E a liberdade de expressão — esse velho totem das democracias — já não existe mais no Brasil. O que sobrou foi um simulacro, um teatro de aparências onde se pode dizer tudo… desde que agrade ao censor.
Enquanto isso, os que nunca se incomodaram com piadas — os profissionais da pólvora, da cocaína e do fuzil —, esses eram convidados a sair discretamente pela porta dos fundos do sistema penal, com um leve tapinha nas costas e um habeas corpus perfumado de tecnicalidade jurídica. A balança da justiça, com os olhos vendados e a mão trêmula, agora pendia perigosamente para o lado onde o crime organizado agradece em silêncio.
O contraste era escandaloso: os traficantes andavam soltos, sorridentes, enquanto os comediantes andavam calados, com medo de sorrir.
E lá fora, nas páginas do Washington Post, o mundo olhava pasmo, perguntando-se como foi que o país do samba e da bossa virou símbolo de censura tropicalista com toque autoritário.
E no topo da torre de marfim, ele, o presidente operário com gosto por ternos Armani, e ela, a primeira-dama socialmente sem noção — uma personagem saída de novela, perdida entre frases feitas e poses para fotógrafos —, passavam de avião em avião, de hotel cinco estrelas a jantar com foie gras. Entre selfies em Paris e discursos vazios em fóruns que simulam preocupação com o mundo real, fingiam não ouvir o eco abafado das vozes que se calavam embaixo.
O Brasil, esse laboratório de contradições, havia conseguido a façanha de transformar a comédia em subversão e a criminalidade em burocracia libertadora. E tudo isso, claro, com um sorriso institucional, como se estivesse tudo nos conformes.
Philip Roth, se vivo estivesse, talvez dissesse: não é uma república das bananas — é uma tragicomédia tropical escrita por Kafka e encenada em Brasília.
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Juliana Moreira Leite é jornalista especialista em cultura, escritora e curiosa. Nesse espaço vai falar sobre assuntos da atualidades sob a sua visão. |
* Este texto reflete a opinião do autor e não, necessariamente, a do Pleno.News.
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