Neste sábado (26), o Grêmio visita o Palmeiras, às 21h (de Brasília), no Allianz Parque, em duelo pela 17ª rodada do Campeonato Brasileiro.
Vivendo momento de enorme turbulência na temporada, o Imortal aposta na contratação de reforços de peso para ter um bom segundo semestre. Como mostrou a ESPN na última quinta-feira (24), a diretoria sonha com o atacante Róger Guedes, do Al Rayyan, que é visto nos bastidores como um novo “incontestável” para ser trazido com a ajuda de empresários para qualificar o plantel tricolor.
O que poucos sabem é que o ponta, que também já defendeu o Verdão, adversário deste sábado, na carreira, já teve uma curta (porém marcante) passagem pelo Grêmio.
Ela aconteceu em 2010, quando Róger ingressou nas categorias de base do clube de Porto Alegre após ser descoberto em um torneio de futsal.
Nas canteras do Imortal, o garoto nascido na pequena Ibirubá viveu de tudo um pouco, chegando a atuar até mesmo como volante e ganhando fama de “marrentinho”.
O “Diabo Loiro”, porém, ficou pouco na capital gaúcha, indo já em 2011 para o Criciúma. Em Santa Catarina, ele estourou de vez e foi em 2016 para o Palmeiras, dando início a uma carreira com passagens por vários clubes grandes.
O “dono da bola”
Róger Guedes nasceu na cidade gaúcha de Ibirubá. Filho mais novo de Walter (Neco) e Marisa, ele tinha no pai e no irmão Gabriel um espelho para o futebol. Ambos foram jogadores amadores.
Nos primeiros anos, Róger defendeu o Vila Nova, clube amador da cidade natal criado por Neco. Também jogou futsal pela Asif (Associação Ibirubense de Futsal) e em um time em Passo Fundo.
Vitalino Barzotto, imortalizado no futebol com o apelido Grizzo, campeão da Copa do Brasil de 1991 pelo Criciúma, foi um dos primeiros a enxergar que o menino tinha futuro.
“Desde os 6 anos de idade dava para ver que o Róger era diferenciado. Ele jogava futsal pela Asif como fixo, jogando mais atrás, e mesmo assim foi artilheiro e campeão”, disse Grizzo à ESPN.
Foi também com a ajuda do veterano que Róger Guedes acabou indo para a base do Grêmio, em Porto Alegre. Grizzo tinha amigos empresários e conseguiu que eles observassem o menino.
A estreia na base do tricolor gaúcho foi em 2007, aos 11 anos. Logo de cara, foi campeão e artilheiro (com sete gols) da tradicional Taça Saudades. A final foi contra o Internacional.
“Ele era diferente, chamava a atenção, era também uma liderança. A gente dizia que ele queria colocar a bola embaixo do braço e decidir, e ele decidia, mas ficava bravo quando não recebia a bola”, contou o ex-jogador Cacau, coordenador da base do Grêmio à época.
“Ele jogava como um segundo volante, e subia bem para o ataque. Fazia muitos gols, tanto que foi artilheiro em alguns torneios de base. Tinha os fundamentos, muita técnica e força”, lembrou Luiz Gabardo Júnior, técnico de Róger aos 11 anos no Imortal.
“Uma coisa interessante é que ele era acompanhado pelo pai o tempo todo. A gente até dizia, uma expressão entre boleiros, que ele era o ‘pai chato’’. Pegava no pé do técnico, pegava no pé da coordenação. Tudo porque achava que o Róger não era bem aproveitado”, relatou Cacau.
Talvez Neco estivesse realmente incomodado, pois Róger Guedes não chegou a ficar dois anos na base do Grêmio. Dali ele logo foi para a cidade de Criciúma, onde de fato se desenvolveu.
“No Grêmio eram muitos atletas, quase 80. Alguns jogos o Róger não era relacionado. Ele se incomodou e foi para o Porto Alegre FC, um time de empresários, e um deles sugeriu que ele viesse ao Criciúma. Ele chegou aqui com 12 anos. Aos 16, foi profissionalizado”, recordou Jaime Dal Farra, que foi presidente do Criciúma de outubro de 2015 até o final de 2020.
Um “marrentinho” quase dispensado
A trajetória do “Diabo Loiro” no Criciúma não foi tão harmoniosa.
“Quando ele chegou pra mim, eu ouvi dizer: ‘Está vindo aí um marrentinho que jogou no Grêmio’. Aí eu, aqui dentro pensei: ‘Hum, vou ter problema'”, rememorou João Márcio da Rocha, o Katissa, supervisor da base do Criciúma de 2010 até 2016 e hoje supervisor do Monsoon-RS
Segundo ele, Róger gostava mesmo era de pregar peças nos colegas. “Era moleque de fazer arte. Tirar o cartão [do aparelho] da televisão. Esconder a bolinha e as raquetes de pingue-pongue. Não querer ir pra escola. A gente falava: ‘Tem que ir pro colégio, senão o conselho tutelar não deixa jogar'”, ressaltou.
“Também era um menino bonito, sabe? As garotas olhavam bastante pra ele. De vez em quando eu tinha que ir na escola porque os outros ficavam enciumados. Ele não mexia com ninguém, mas os outros ficavam enciumados: ‘Olha, vem pra cá que ele tá dando probleminha'”, acrescentou Katissa.
Um dos técnicos que mais trabalhou com Róger Guedes no período de base no Criciúma foi o ex-lateral esquerdo Geraldo Spricigo. Com história no clube, ele comandava o juvenil, time em que o garoto treinava, embora ele ainda disputasse jogos pelo infantil com outro treinador.
“Ele já estava como meia-atacante, mas gostava de jogar pelo lado esquerdo. Alguns colegas achavam que ele deveria jogar centralizado, como até hoje alguns treinadores pensam, mas o negócio do Róger é o lado esquerdo. Ali ele arrasta o lateral, cria, incomoda”, enfatizou.
O treinador lembra que nos jogos Róger Guedes demonstrava muito talento, mas o problema era os treinos. O atacante não se empenhava tanto, e isso incomodava muita gente no clube catarinense.
“Ele queria só jogar. Ele era danado em relação a parte física. Não queria os trabalhos físicos. Eu via um talento a ser lapidado. Ele era jogador que nunca se apavorava com pressão. Teve um momento que colocamos um GPS nele para monitorar a parte física. O nosso medo era que quando ele chegasse aos 17 anos, ele não suportasse a carga”, salientou Spricigo.
“No final do sub-15, quando o Geraldo ia subir pra assumir o sub-17, a gente fez uma reunião com a comissão técnica de todas as categorias. Aí começou: ‘E o Róger Guedes?’. Uns diziam: ‘Ele não é muito intenso. Acho que não vai virar’. Outros: ‘Está louco, o pai dele incomoda demais’. Realmente, o pai dele cobrava muito, mas ele tinha certa razão. Às vezes, durante o jogo ele gritava pro treinador soltar o time. Por quê? Porque talvez o Róger pudesse fazer mais. Aí na reunião eu olhei para o Geraldo e disse: ‘E aí?’. Ele falou: ‘Esse guri vai dar caldo, vai virar e vai acontecer. O Criciúma vai ganhar dinheiro, vamos trabalhar'”, revelou Katissa.
“Você vê ele meio apagado em campo, mas em questão de minutos ele decide a partida. Coisa de Róger Guedes”, exaltou Geraldo.
Mas a dificuldade em trabalhar o lado físico prosseguiu e piorou quando o garoto passou a fazer parte do grupo profissional, treinando com jogadores mais experientes e jogando pouco.
Foi nessa fase que Grizzo reapareceu. Primeiro procurado pelo pai de Guedes pedindo ajuda. Depois recebeu um contado do Criciúma, que o convidou para trabalhar na comissão do sub-20, em 2015.
“O Neco me ligava direto: ‘Grizzo, tá tendo problema assim, problema assado…’. O problema é que o Róger tem uma personalidade forte. Ele é uma individualidade, acredito que a confiança que ele tinha no futebol dele às vezes criava atritos no coletivo. Ele também era considerado um jogador sem intensidade, como eles falam. Mas não era isso. Ele tem intensidade. Às vezes ele fazia tipo. Ficava bravo porque não era titular, e ele tinha que ter intensidade para ser titular. Era tipo assim: ‘Joga em mim que eu resolvo. Joga em mim. Eu sou bom’. Entendeu? Teve muito desgaste na base. Teve momentos que estavam a fim de dispensar. Não tinha mais ambiente”, observou Grizzo.
“Em 2015, quando eu voltei, o Róger já tinha jogado contra o Flamengo [estreia dele como profissional pelo Criciúma, em 2014], quando ele deu o passe para Cléber Santana fazer o gol. Depois ele fez um gol contra o Corinthians. Isso chamou a atenção. Mas ele caiu de novo. Ele não jogava, voltava pra base e atuava sem intensidade porque não estava bem, não estava treinando forte no profissional, e ficava nisso. Eu vi isso. Como auxiliar e avaliador técnico, eu ouvia certas pessoas do sub-20 falar: ‘Tomara que ele não desça para jogar’. Era um problema”, afrimou.
Grizzo se chateava e se irritava com os comentários sobre seu conterrâneo. O motivo é que, como testemunhou o garoto crescer, ele sabia que Róger Guedes tinha um potencial a ser explorado.
“Ele deu uma desanimada. Ele tava gordo. Tinha a fama de lento, folgado, para não dizer outra coisa. Eu ficava quieto às vezes com certas opiniões que arrasavam com ele. Diziam: ‘Isso não vai virar nada. É ‘vadio’, não vai dar certo. Vai morrer na casca’. Deus sabe que eu to falando só aquilo que eu ouvi. Mas, eu pela amizade com o Neco, eu comprei essa briga”, reforçou Grizzo.
Um dos primeiros atos foi falar com Róger.
“Eu fui apitar um jogo treino entre os reservas do profissional e o sub-20. Cobrei ele pra correr, marcar, fazer mais. Ele me disse: ‘Aqui não adianta. Os caras não gostam de mim'”, lembrou.
Mas a situação estava pra mudar por conta da chegada do técnico Roberto Cavalo. Era outubro de 2015, o time estava lutando para não cair para a Série C do Brasileiro. A campanha com Dejan Petkovic no comando era ruim, com sete jogos sem vencer.
Cavalo era ídolo como Grizzo. Ambos conquistaram a Copa do Brasil de 1991 pelo clube carvoeiro.
“Jogamos juntos também no Botafogo, e ele é meu amigão. Eu procurei ele e pedi pra ele observar um garoto que era da minha cidade. Ele respondeu: ‘Só por que é da tua cidade? O cara tá gordo, lento’. Eu disse: ‘Ele tem qualidade, tem talento’. E o Cavalo respondeu: ‘Ele tem se virar se ele quiser jogar'”, contou.
“Eu procurei o Neco e o Róger e disse: ‘Cara, você tem de marcar, correr, buscar. O Neymar e o Cristiano Ronaldo marcam, então por que você não pode fazer isso? Outra coisa. Se você não jogar no Criciúma, você tem, pelo menos, que sair bem daqui’. Aí foi lutando. Chegou um dia o Cavalo me disse: ‘Róger está melhorando’. Até que um dia ele entrou no intervalo de um jogo que já estava 1 a 0 para o Criciúma. Terminou 3 a 0, com ele participando dos dois gols. Depois o Cavalo começou a escalar ele como titular. O Criciúma reagiu na Série B, não caiu”, exaltou Grizzo.
Róger Guedes também reagiu. Arrebentou em 2016. Foi titular em 17 jogos dos 18 jogos Criciúma, com três gols até ser negociado com o Palmeiras. Dali em diante vestiu as camisas de Atlético-MG. Shandong Taishan, da China, Corinthians e Al Rayyan.
A lembrança daquela virada no rumo de Róger Guedes alegra Grizzo até hoje, mesmo que ele já não tenha mais nenhum contato com o atacante ou até mesmo com Neco.
“Ele conseguiu isso com o futebol dele. A minha contribuição foi mais comprar a briga para que ele não fosse dispensado. Sabe, O pessoal pensa que o Róger, por ele ser um cara alto, loiro, gaúcho, deve ser filho de papai. Não é verdade. Ele era humilde. Ele veio de baixo. Morou embaixo da arquibancada do Vila Nova. O pai dele lutou. A mãe dele sempre foi trabalhadora. Fazia faxina nas casas, trabalhou no Hospital Infantil de Criciúma fazendo faxina. Eu vi a luta deles. Tudo o que aconteceu com ele foi obra da mão de Deus na vida dele. Eu resumo assim”, finalizou.