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Rogério Ceni abre o coração sobre noite que consagrou São Paulo de 2005

O árbitro apita. Muitos correm. Outros desabam. Ele não. Enquanto recebe abraços de quem nem conhece, a cabeça volta no tempo. Derrotas, eliminações, sofrimento. Angústia, dores, tristezas. Isso não existe mais. Milésimos de segundos depois, a ficha cai: você é campeão da CONMEBOL Libertadores, Rogério Ceni.

Impossível outra pessoa além de quem vestia a camisa número 1 preta naquela noite saber tudo o que passou pela mente por volta de 23h45 daquele 14 de julho de 2005 – nem nós pretendemos, longe disso. Então, nada melhor que o próprio assumir o relato a partir de agora.

Rogério Ceni abriu o coração e contou em detalhes como foi a noite que o consagrou como lenda na história do São Paulo. O depoimento é apenas parte do documentário “Doutrinadores“, conteúdo especial produzido pela ESPN e disponível no Disney+ sobre a conquista do Tricolor em 2005. Vinte anos depois, o capitão lembra de praticamente tudo.

“Eu não dormi duas noites, estava com febre naquela semana. Muito em função do jogo, da ansiedade. Nós concentramos na segunda-feira, eu praticamente dormi poucas horas”, revelou o ídolo, único remanescente do histórico elenco de Telê Santana, na década de 1990, e que tinha exata noção do que aquela Libertadores significaria para ele e o clube.

“Uma conquista que veio depois de 12 anos. Foi muito especial. Eu pude viver 1993 com todos aqueles caras que eram grandes ídolos e heróis daquele bicampeonato de Libertadores. E pude ser esse elo entre as gerações. Um cara que sobreviveu por 12 anos e conquistou o terceiro título. Momento ótimo da vida. Mais jovem, mais magro, conseguia saltar (risos). Hoje não dá mais, mas o que é legal é que fica na história. Fica na história quem consegue escrever algo grandioso”.

Grandioso é um bom adjetivo para a trajetória de Rogério Ceni dentro do São Paulo. Chegou aos 17 anos para um teste no Morumbi, em setembro de 1990, e nunca mais saiu. Da moradia nas arquibancadas do estádio, subiu da base ao time principal e virou reserva de Zetti, um dos ícones do supertime do início da década, até ganhar a chance de ser titular em 1997.

Com a camisa 1, Ceni virou um digno representante das arquibancadas. Fazia o possível para evitar os gols e, quando aparecia a brecha, atravessava o campo na tentativa de marcá-los, o que o destacou perante outros companheiros de profissão. Mas, naquele ano de 2005, faltava algo para completar essa história que, apesar da idolatria, ainda estava incompleta. A Libertadores era a chance.

“Meu sonho era repetir o que vivi em 92 e 93. Demorou 12 anos, mas conseguimos. Depois de 12 anos, fazer o São Paulo campeão da Libertadores novamente. Para mim, foi a complementação de um ciclo de subir das categorias de base, chegar ao profissional, ser campeão de Libertadores, passar por toda a volatilidade do futebol brasileiro. E passar por momentos de baixa, se reerguer e conseguir novamente chegar no título máximo. Esse era o objetivo. Eu sabia que era um ciclo sendo finalizado”, falou Ceni.

O São Paulo chegou à final praticamente invicto e favorito ao título contra o Athletico-PR. O empate por 1 a 1, na primeira partida, em Porto Alegre, apenas aumentou a confiança da torcida e, claro, daquele que, em campo, era quem mais ansiava pelo sucesso.

“Nós sabíamos que o torcedor carregaria. E nós dominamos aquele jogo, o Athletico teve duas situações: uma falta, que o Alex põe a cabeça e quase entra, e o pênalti. Foi o que eles tiveram. Mas a atmosfera do Morumbi naquela noite… Não tinha como”.

Noites mal dormidas à parte, Rogério Ceni liderou aquele São Paulo na histórica noite de 14 de julho muito antes de ser o primeiro a pisar no gramado e carregar o time para a final.

“Eu não lembro exatamente o que foi dito, mas era sempre o Rogério que puxava a última frase. E todo um discurso…”, conta Fábio Santos, jovem lateral daquele time e um dos fãs que o capitão tinha no grupo. “Eu não sei se ele preparava todos aqueles discursos, mas ia passando de fase a fase e, na final, o discurso dele era de ‘cara, chegou o momento de fazer história. Não desço daquele campo sem a medalha no peito, sem o troféu na mão'”.

“Eu nunca preparo”, garantiu Rogério. “Tudo o que falo na minha vida até hoje é de momento. Nunca pensei no que falar. Era sempre o que me vinha na cabeça. E às vezes era emocionante por ser algo puro e verdadeiro, de quem queria vencer. Era apenas uma palavra de incentivo. Eu sempre falava: ‘No momento que você sobe aquelas escadas numa noite de Libertadores, você passa a ser um indivíduo diferente’. Quando subia aquele túnel e encontrava com 70 mil pessoas, era uma sensação que poucos sentiram. Quantos campeões da Libertadores o São Paulo tem? Tinha um significado muito grande”.

O nervosismo e ansiedade dos tricolores durou poucos minutos. No 17º giro do cronômetro, Luizão ajeitou de calcanhar, Danilo chutou, pegou o próprio rebote e deixou na cabeça de Amoroso, o responsável por abrir o placar. Vitória parcial que só foi motivo de dúvida em um momento.

No último lance do primeiro tempo, Aloísio Chulapa cavou pênalti de Alex Bruno e ofereceu ao Furacão a chance de voltar ao jogo. Fabrício assumiu a responsabilidade para bater, em um duelo particular com Rogério Ceni que já havia começado bem antes daquele momento.

“Quando o Fabrício bate uma falta, que desvia no Alex e vai para escanteio, ele vai pegar a bola e fala que vai fazer gol em mim. E eu falo: ‘Nem de pênalti você faz gol hoje’. E dá o pênalti e ele pega a bola para bater”, revelou o eterno goleiro-artilheiro.

“Eu estava com muita confiança. Não toco na bola, mas vou no limite. Se ela vai em direção ao gol, ela seria defendida. Todo mundo se desespera na hora do pênalti. Se vira 1 a 1, muda o jogo. Ele bate, eu vou no canto, e a bola belisca a trave e vai para fora. Quando ele perdeu o pênalti, eu disse: ‘Agora nunca mais a gente perde esse jogo'”.

O resto da noite foi quase uma formalidade. Oito minutos após a volta do intervalo, Fabão ampliou com cabeceio certeiro no ângulo. A câmera da transmissão se divide entre o choro do zagueiro e a vibração de Rogério, sozinho, para seus súditos espremidos na arquibancada.

“Depois do gol do Fabão. No 2 a 0, liquidamos o jogo. Era questão de passar o tempo. O Athletico nem finalizava. Teve o pênalti, mas eu praticamente não fiz defesas naquele jogo”, lembra Ceni, que ainda viu Luizão e Diego Tardelli completarem uma noite absolutamente mágica para quem era tricolor.

Para o camisa 1, era mais que isso. A Libertadores representava o grito entalado por anos, a conquista do maior sonho. A pavimentação para o olimpo. Como titular, Rogério havia conquistado três vezes o Campeonato Paulista, também o Rio-São Paulo. Pouco para os anos de dedicação ao clube. O primeiro passo foi dado em 2004, mas o gol no fim do Once Caldas adiou o objetivo. De 2005 não podia passar.

Tudo isso, ainda que em flashs rápidos, passou pela cabeça de Rogério Ceni, quase solitário do outro lado do campo.

“Ali eram 12 anos de vida de relembrar o quão difícil foi chegar até ali. De passar pelo momento mais baixo de todos, o da vaia, e, um ano depois, chegar no momento mais alto, com o título da Libertadores. Para mostrar que a vida é cheia de variáveis. E que você não foi nunca desistir. Ali foi um sonho. Foi tudo vivido naqueles minutos finais. Você relembra tudo”, contou o ex-goleiro, emocionado.

“A chegada ainda garoto, aos 17 anos morar embaixo da arquibancada, armário pequeno, não ter roupa, ganhando ajuda de custo de dois terços de um salário mínimo. E conseguir sobreviver a tudo. Para quem vem de uma cidade pequena, sobreviver a uma cidade grande, com todas as tentações. E vencer na vida. Isso foi o principal”.

Rogério venceu. Do menino para o homem, do jovem aprendiz para o capitão, do goleiro para a lenda. Outros títulos viriam, atuações monstruosas aconteceriam. Mas é aquele 14 de julho de 2005 que ainda vive na memória. Uma noite de consagração.

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