Dias antes dos ataques de Israel, Hossein Salami, comandante da Guarda Revolucionária Islâmica do Irã (IRGC), bancava o valente: “Estamos prontos para qualquer cenário.” Na visão dele, Israel lutaria contra o Irã do mesmo jeito com que luta contra o grupo terrorista Hamas, com os militantes escondidos em construções.
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Neste caso, não prevaleceu a experiência de quem começou a carreira em 1980, na guerra Irã-Iraque, e acumulou décadas no comando da guarda. O ódio cego por Israel foi mais forte do que a razão. Boas doses de onipotência e delírio abriram caminho para a maior desmoralização militar do regime iraniano desde 1979.
Salami era conhecido por sua retórica agressiva contra o Estado judeu e os Estados Unidos (EUA). Internamente, comandava a repressão do governo contra qualquer tipo de oposição.
Em 2019, foi implacável com manifestantes que protestavam nas ruas contra o aumento de combustíveis: 146 morreram, segundo a Anistia Internacional, em confronto com as forças de segurança.
Ele acusava os manifestantes de se aliarem aos inimigos. Como sempre, mencionou israelenses e norte-americanos em sua mensagem de guerra.
“Temos demonstrado contenção… temos demonstrado paciência diante dos atos hostis da América, do regime sionista [Israel] e da Arábia Saudita contra a República Islâmica do Irã… mas os destruiremos se cruzarem nossas linhas vermelhas.”
Salami descobriu, da pior forma, que bravata e ódio não substituem estratégia. A mistura foi o convite para a derrota que mudou a história iraniana.
A surpresa foi a primeira de todas as armas. A inteligência iraniana se acomodou com as movimentações para uma sexta rodada de negociações entre EUA e Irã.
O casamento do filho do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, estava marcado para segunda-feira, dia 16. Na agenda oficial, Netanyahu tiraria alguns dias de folga. Não havia sinal de que começaria uma guerra.
Na véspera de ser morto, o general Salami, antes símbolo de coragem, ficou em estado de choque. Recebeu no celular, assim como outros, a seguinte mensagem do Mossad.
“Você tem 12 horas para escapar, estamos mais perto de você do que sua própria veia do pescoço.” Foi o suficiente para que Salami murchasse em suas bravatas. Ele ficou sem saber o que fazer. Quais ordens dar. O comando iraniano foi desmantelado pela inteligência israelense antes de os alvos serem atacados. Assim ficou mais fácil para as Forças de Defea de Israel (FDI).
Mais do que a destruição de usinas nucleares e instalações de mísseis, o maior golpe sofrido pelo Irã desde 13 de junho foi moral. Em apenas 12 dias, a ofensiva de Israel desarticulou não apenas a infraestrutura militar iraniana. Também a estrutura de comando que a sustentava.
Pelo menos 35 autoridades, entre generais, chefes de inteligência e cientistas nucleares foram eliminadas em sequência. O regime ficou sem suas principais engrenagens.
A eliminação de Salami foi seguida pela morte de seu substituto imediato, Ali Shadmani, em 17 de junho. Situação semelhante ocorreu em outras frentes: morreram também o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Mohammad Bagheri, e o comandante da força aérea da IRGC, Amir Ali Hajizadeh.
Poucos dias bastaram para que a cúpula das forças estratégicas iranianas, estruturada durante anos, fosse praticamente anulada, inclusive os possíveis sucessores. Como ironizou Netanyahu, referindo-se ao Hezbollah em outubro último: “Eliminamos o comandante… e também o substituto do comandante e vamos eliminar o substituto do substituto.”
Outras mortes, entre elas de Gholam Ali Rashid (chefe do Comando Central das Forças Armadas) ou Mohammad Kazemi (chefe da inteligência do IRGC), foram como eliminar os chefes da CIA e do Mossad ou ministros da Defesa em um país ocidental.
Território conhecido
Mas os planos de Israel não se restringiram a alvos militares. Cientistas nucleares, cérebros do projeto iraniano, não poderiam desenvolver novas pesquisas. O mesmo padrão se repetiu na inteligência. Figuras centrais da organização do programa de armas atômicas foram mortas. A maioria deles estava em casa.
Entre os cientistas eliminados estão nomes de destaque no projeto nuclear iraniano, como Fereydoun Abbasi-Davani, ex-chefe da Organização de Energia Atômica. Foram alvos também professores universitários, engenheiros nucleares e físicos ligados ao enriquecimento de urânio.
Davani representa o perfil deste tipo de alvo. Era um docente gentil, ao estilo dos acadêmicos que sorriem para os alunos nos corredores da Universidade Beheshti. Mas, em paralelo aos sorrisos amigáveis, estava um arquiteto da destruição.
A ofensiva teve um elemento que amplificou seus efeitos: uma aula de inteligência. Drones israelenses operaram com liberdade nos céus iranianos, precedidos pelas tais mensagens enviadas diretamente a generais-alvo. Eles não saíram a tempo. Nem teriam como.
Fugir de um regime como o iraniano não é tão simples quanto desligar o celular e sumir. Esses comandantes estavam inseridos numa estrutura rígida. Tinham laços políticos, familiares e religiosos. Enfrentavam vigilância constante. Sair do país ou se esconder não é uma opção fácil sem colocar em risco a própria família ou ser acusado de traição. No Irã, isso significa a morte.
O assassinato de cientistas e autoridades iranianas ligadas ao programa nuclear ou à defesa nacional não é uma novidade. Desde o início da década de 2010, essa prática tem sido uma estratégia sistemática, atribuída ao Mossad.
Os alvos anteriores também foram físicos, engenheiros, militares de alta patente e pesquisadores. A lista inclui nomes como Massoud Ali Mohammadi, morto por bomba em Teerã (janeiro de 2010); Majid Shahriari, assassinado em novembro de 2010; Mostafa Ahmadi Roshan, morto junto de seu motorista em janeiro de 2012.
O mais notório deles foi Mohsen Fakhrizadeh, assassinado em 27 de novembro de 2020 em um atentado de alta sofisticação tecnológica, que envolveu armamento automatizado e uma operação coordenada dentro do território iraniano.
Líder sobrevive
Mesmo assim, inclusive com o alerta prévio feito por Benjamin Netanyahu em 2018 a Fakhrizadeh, o programa nuclear iraniano seguiu seu curso.
Agora, a morte de pelo menos 35 autoridades iranianas representa uma mudança qualitativa e quantitativa no conflito entre Israel e o Irã.
O colapso desta estrutura foi uma consequência natural de todo o conhecimento que Israel tinha sobre cada metro quadrado do Irã.
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A sensação, dentro do Irã, foi de exposição total. Cidades entraram em alerta, o espaço aéreo foi fechado, unidades militares evacuadas às pressas. Em Teerã, cidadãos relataram tremores provocados por mísseis pesados, falta de orientação oficial e medo generalizado. A população assistiu à perda de controle sobre símbolos do regime.
Em um dos episódios mais emblemáticos, Israel bombardeou os portões da prisão de Evin, a mais temida do país. Lá estão detidos presos políticos. O ataque não foi voltado à segurança interna, mas à narrativa. Escancarou ao povo iraniano que o regime não conseguia proteger nem suas próprias ferramentas de repressão. Vídeos nas redes sociais mostraram os portões da prisão destruídos.
O impacto interno foi imediato. Mesmo com o cessar-fogo em vigor, o regime enfrenta um ambiente politicamente instável. A credibilidade da cúpula religiosa, já abalada por anos de repressão e crises econômicas, entrou em colapso. Nenhum nível da hierarquia ficou protegido.
O principal assessor do aiatolá, Ali Shamkhani, foi atingido pelos bombardeios e dado como morto. Mas, segundo a agência de notícias estatal do Irã, ele foi “gravemente ferido e hospitalizado” e se recuperou.
Em todo este período, Khamenei permaneceu acuado. Escondeu-se em um bunker, mentalmente abalado. Do noticiário ouvia Trump declarar: “Nós sabemos exatamente onde o chamado ‘Líder Supremo’ está se escondendo”, escreveu nas redes sociais. “Ele é um alvo fácil, mas está seguro lá. Nós não vamos eliminá-lo [matar!], pelo menos não por enquanto.”
Netanyahu também ameaçava. “Dei instruções para que ninguém no Irã tenha imunidade”, disse, em referência ao aiatolá.
Khamenei só não morreu porque a mudança do regime à força não foi considerada a melhor opção.
O líder agoniado sobreviveu. Para ver, pela primeira vez desde a Revolução Islâmica de 1979, o Irã exposto. Sem comando fortalecido e sem estrutura para reagir.
O que antes era um regime obscuro, blindado por repressão e propaganda, agora aparece, diante da população e do mundo, como um sistema vulnerável.
A repressão deverá aumentar, movida a paranoia. Mas ficará à deriva de um discurso que, por trás das ameaças, já não esconde mais a fragilidade.
Veja a lista dos principais militares e cientistas mortos nos ataques de Israel ao Irã:













