Roupas coloridas, música e dança com a cara do Nordeste — e do Brasil inteiro.
A descrição pode até lembrar o Carnaval, mas se refere a outro grande evento da cultura nacional: o São João.
Trata-se do ponto alto das Festas Juninas. As celebrações têm origem religiosa e promovem o milagre da multiplicação dos negócios. A fé católica reservou o dia 24 de junho para celebrar São João, data à qual se credita seu nascimento. Os fiéis atribuem um papel singular ao santo, que nasceu seis meses antes de Jesus. É conhecido também como Batista e batizou ninguém menos que o próprio Cristo, de quem, aliás, é parente, segundo a Bíblia.
História de família
São João e Jesus têm ligações além da religião. Segundo a Bíblia, os dois são parentes, filhos de mães improváveis, foram anunciados pelo mesmo anjo (Gabriel) e se reconheceram antes mesmo de sair do ventre.
O santo era o único filho de Isabel, que o teve na velhice, depois de anos de infertilidade. Ela era prima de Maria, mãe de Cristo — que concebeu Jesus de forma virginal.
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Durante um período em que ambas estavam grávidas, as primas permaneceram juntas por alguns meses. No primeiro encontro, o bebê no ventre de Isabel se mexeu, reconhecendo a presença de Maria e do primo Messias. Meses depois, nasceu João — e, com ele, as fogueiras das festas juninas, ou pelo menos algo como a suposta “avó” delas.
Fogo para um milagre
Não se trata de uma passagem bíblica, mas sim de um conto popular português. Quando as primas mais santas do cristianismo deram à luz, os tempos eram outros. Nada de internet ou redes sociais, nem sequer telefone. Dar um recado à distância, para muitos, só com um milagre. Para outros, bastava o fogo.
A tradição oral portuguesa conta que Isabel acendeu uma fogueira no alto de uma colina para avisar Maria sobre o nascimento do filho. A história chegou ao Brasil de caravela, embalada por outras tradições europeias adaptadas ao paladar do Novo Mundo.


Apesar de as festas juninas surgirem por tradição religiosa, as comemorações em junho remetem a um tempo em que a Europa era um continente de vários deuses. Além disso, a data de São João foi marcada nas estrelas antes mesmo do santo ou de qualquer outro personagem bíblico surgir — inclusive Adão, o primeiro homem, segundo a religião.
Da Europa ao milho
A marcação celeste veio por meio do solstício de verão no Hemisfério Norte, parte do mundo onde ficam Portugal, a Europa e o Oriente Médio (terra dos nascimentos de São João e Jesus). Trata-se do dia mais longo do ano, que, naqueles lados do planeta, acontece sempre em alguma data entre 20 e 22 de junho. Ou seja: pertinho do aniversário do santo.
O tempo extra de sol e a época do ano fizeram o Velho Mundo associar, antes mesmo de as religiões existirem, esse período do ano a festas para celebrar a colheita. Daí as danças, as cores vibrantes e a mesa cheia de doces e outros alimentos. Naquela parte do globo, porém, algo só se tornou possível depois da travessia pelo Atlântico — e não se trata de música animada, que é tão antiga quanto a própria humanidade.
A novidade está na comida, na introdução de um alimento que, ao menos no Brasil, não se separa das festas juninas: o milho. O grão fez o caminho inverso das tradições religiosas cristãs. Elas partiram do Oriente para o Ocidente; ele, de oeste a leste.
O milho é nativo das Américas. Embora tenha contribuído muito para a culinária e a sobrevivência dos europeus, esse grão não existia nas mesas e lavouras da Europa, Ásia e África até ser importado pela primeira vez para esses continentes. Oficialmente, isso aconteceu pelas mãos de Cristóvão Colombo, em 1492, ano em que descobriu a América e levou as primeiras iguarias locais para os patrocinadores da empreitada: os reis católicos Isabel e Fernando, então governantes da Espanha.
O grão da festa junina
A descoberta do continente, para a história oficial, aconteceu em 12 de outubro daquele ano. A primeira vista se deu no litoral das Bahamas. Por ali, a colheita do milho havia acontecido há pouco. No Hemisfério Sul, onde está a maior parte do Brasil, é diferente.
Somente 7% do território brasileiro fica ao norte do Equador. O restante — e aí está todo o Nordeste, por exemplo — está ao sul. Nessa parte, a grande safra dos milharais começa em fevereiro e termina em junho. Por isso, a abundância de alimentos à base desse grão nas festas juninas por todo o país, que não brinca em serviço para esse tipo de coisa.


O Brasil é a terra das duas cidades que disputam o título de terem as “maiores festas juninas do mundo”, conforme mostrou “São João: o motor econômico do Nordeste”, reportagem de Letícia Alves e Yasmim Alencar para a Edição 274 da Revista Oeste. Tanto Campina Grande, na Paraíba, quanto Caruaru, em Pernambuco, reivindicam a deferência.
Para as duas cidades juntas, isso significa o movimento de R$ 1,5 bilhão para hotéis, restaurantes, bares, vendedores etc. E o milagre econômico de São João se multiplica — são mais de R$ 7 bilhões, somando todo o país.