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STF governa o Brasil, não a Lei, diz historiador a jornal dos EUA

O crescimento do poder do Supremo Tribunal Federal (STF) e suas práticas autoritárias no Brasil têm chamado atenção internacional. Diante das ofensivas recentes de Donald Trump contra o governo brasileiro, muitos cidadãos dos EUA questionaram o porquê de seu presidente comprar briga com a Suprema Corte de outro país. 

Um artigo publicado no jornal norte-americano The Hill nesta segunda-feira, 8, esclarece a dúvida. “As críticas de Trump ao Supremo [Tribunal] brasileiro são, em grande parte, corretas”, escreve Felipe Jafet, estudante de ciência política e história na Universidade de Stanford e pesquisador associado na Hoover Institution. 

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Depois de afastar a ideia de que as medidas de Trump seriam apenas “birra mesquinha” pelo banimento do Rumble ou raiva diante da possibilidade de Jair Bolsonaro — o “Trump dos trópicos” — ser preso, Jafet afirma que o republicano tem razão ao afirmar que o STF “minou o Estado de Direito e a própria Constituição que jurou proteger”. 

Para os EUA, Moraes é responsável por censura, detenções arbitrárias e perseguição política — condutas típicas de regimes como o de Putin ou Kim Jong-un | Foto: Reprodução

“Nos últimos anos, o STF tornou-se a instituição mais poderosa do país. Investiga, acusa, censura e legisla. Hoje, atua como juiz, júri e executor”, escreveu. Jafet, que é brasileiro, diz que, apesar de não ser evidente a quem é estrangeiro, a aparente concentração de poder da Corte “carrega todas as marcas do legado patrimonialista de 500 anos do Brasil”.

Esse padrão histórico é sustentado por uma elite dominante desde o período colonial, com raízes em privilégios hereditários e controle sobre as decisões políticas e judiciais. Segundo o pesquisador, o patrimonialismo foi mantido mesmo depois da independência, em 1822.

Depois do grito do Ipiranga, aliados do imperador continuaram a controlar o Judiciário e o Legislativo e minar a liberdade de imprensa. “A primeira lei contra a imprensa foi aprovada em 1830, punindo publicações que violassem os ‘bons costumes’ com pena de prisão”, escreve Jafet. “Esse padrão vago deu aos ‘amigos do imperador’ a liberdade de, nas palavras do romancista José de Alencar, ‘fabricar a opinião pública no Brasil’.”

Brasil não é governo de leis, ‘mas de homens e mulheres de toga’, escreve historiador a jornal dos EUABrasil não é governo de leis, ‘mas de homens e mulheres de toga’, escreve historiador a jornal dos EUA
Felipe Jafet é estudante de ciência política e história na Universidade de Stanford e pesquisador associado na Hoover Institution | Foto: Divulgação/Hoover Institute

Já na República, a alternância entre as elites do café e do leite preservou a censura e instituiu crimes de imprensa no Código Penal de 1923, ao responsabilizar pessoalmente os editores de veículos de imprensa.

No século XX, tanto o regime de Getúlio Vargas quanto a ditadura militar reforçaram o poder centralizado e a censura, ao banir veículos de comunicação e criminalizar opiniões contrárias ao governo. O artigo ressalta que, mesmo com a redemocratização, traços desse sistema permanecem vivos na atuação do STF e na forma como lida com temas sensíveis.

“O Brasil já não é mais um governo de leis, mas de homens e mulheres de toga”, diz o pesquisador.

Atuação do STF é nova face do patrimonialismo

“Embora os regimes tenham mudado, o patrimonialismo perdurou — e hoje não é diferente”, afirma Jafet. Ele explica aos norte-americanos que, em 2019, o STF ampliou sua influência ao permitir que Alexandre de Moraes conduzisse o chamado Inquérito das Fake News. 

“Cidadãos foram presos, jornalistas silenciados, e a Polícia Federal passou a responder diretamente ao Supremo”, descreve o artigo. “Sem data de encerramento, o inquérito permitiu a Moraes julgar indefinidamente, unilateralmente e de forma suprema — sem possibilidade de recurso.”

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O pesquisador também aponta que o STF assumiu funções legislativas, como a criminalização da homofobia, há seis anos, e a definição de regras para redes sociais e terras indígenas. 

STF formou maioria para ampliar artigo do Marco Civil da Internet e regular redes sociaisSTF formou maioria para ampliar artigo do Marco Civil da Internet e regular redes sociais
STF formou maioria para ampliar artigo do Marco Civil da Internet e regular redes sociais | Foto: Gustavo Moreno/ STF

“Mas o patrimonialismo só ficou plenamente evidente quando a Corte passou a controlar a opinião pública”, diz o texto. A emissora Jovem Pan foi suspensa por reportagens, o X foi temporariamente bloqueado e o STF pôs em prática a intenção de responsabilizar plataformas abertas pelo conteúdo de terceiros.

Os ministros do STF, com mandatos até 75 anos, desfrutam de cargos vitalícios e pouca prestação de contas. Jafet questiona esse cenário, argumentando que a fragmentação do Congresso e a dificuldade de negociação entre partidos resultaram na transferência de temas espinhosos ao Supremo, que passou a decidir questões de impacto político, não apenas jurídico.

A Constituição tornou-se instrumento do STF para a validação de “ideias corretas” e deixou de lado o que está estabelecido na Lei. “Em meio a isso tudo, o Congresso e o Executivo permaneceram inertes”, destaca Jafet no artigo ao The Hill

Jafet, que critica o surgimento de uma alegada “ameaça do extremismo de direita”, admite que o pretexto de “defesa da democracia” do STF resultou em censura. A Corte baniu veículos de mídia de direita e suspendeu plataformas que criticavam o próprio tribunal.

“Sem resistência, com jurisdição ilimitada e uma sensação inflada de ameaça existencial, a ambição saiu do controle”, conclui o pesquisador. “No fim, não havia mais ninguém para vigiar os vigilantes.”

“Agora, esse guardião todo-poderoso, censor e de longa permanência é o novo patrono do Brasil. Não reage a abusos de poder — ele os encarna. Não defende a liberdade de expressão — a viola. Não promove transições de poder — é antitético a elas.”

Leia também: “A ditadura e a ladroagem“, artigo de J. R. Guzzo para a Edição 267 da Revista Oeste


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