O Brasil alcançou um marco histórico na safra 2024/25: a produção de grãos atingiu 350,2 milhões de toneladas, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). O volume representa um crescimento de 16,3% em relação ao ciclo anterior e consolida o país como um dos maiores fornecedores mundiais de alimentos.
O avanço se deu pela combinação de área cultivada maior, de 79,9 para 81,7 milhões de hectares, e produtividade elevada, favorecida por condições climáticas mais estáveis. A soja lidera a produção, com 171,5 milhões de toneladas e produtividade média de 3.621 kg/ha. Já o milho, somadas as três safras, mantém rendimento de 6.391 kg/ha. Algodão e arroz também apresentam desempenho positivo.
O aumento da oferta ajuda a reduzir a pressão inflacionária doméstica, beneficiando o consumidor. Para os produtores, porém, o cenário é mais desafiador: a abundância pode deprimir preços, afetando sobretudo agricultores de menor escala ou com custos elevados.
Outro obstáculo está na logística: transporte caro, gargalos em portos e insuficiência de silos limitam a competitividade. Nesse contexto, cresce a urgência por políticas de armazenagem, escoamento eficiente e seguro rural.
A entrada de grandes volumes brasileiros ocorre em um ambiente externo adverso. A economia global dá sinais de desaceleração, enquanto os Estados Unidos enfrentam inflação persistente e juros altos. Isso reduz o consumo mundial e pode valorizar o dólar, encarecendo crédito e transporte marítimo.
Nesse cenário, os preços das commodities agrícolas tendem a ficar sob pressão, o que coloca em xeque as margens de exportação, mesmo com volumes recordes.
Cenários possíveis
1. Oferta alta + demanda global estável
- Preços internos: queda moderada ou estabilidade
- Exportações: bons volumes, sustentando divisas
- Produtor rural: os mais eficientes ganham competitividade
- Consumidor: alimentos mais baratos, alívio na inflação
2. Oferta alta + demanda global fraca
- Preços internos: forte pressão de baixa
- Exportações: preços reduzidos, margens comprimidas
- Produtor rural: risco de endividamento, dificuldade para pequenos e médios
- Consumidor: preços baixos no curto prazo, mas risco de retração produtiva no futuro
3. Custos de produção elevados + excesso de oferta
- Preços internos: margens muito comprimidas
- Exportações: competitividade menor diante de rivais globais
- Produtor rural: vulnerabilidade acentuada para quem depende de insumos importados
- Consumidor: possível instabilidade de oferta no médio prazo
A safra recorde reafirma o papel do agro como motor da economia brasileira, garantindo divisas e sustentando o PIB. Contudo, ela também expõe fragilidades: excesso de oferta pode levar à queda de preços, ampliar o endividamento e reduzir o entusiasmo produtivo em ciclos futuros.
O Brasil precisa transformar o volume em valor agregado, investindo em logística, industrialização e diversificação de mercados. Só assim a abundância de hoje poderá se traduzir em prosperidade sustentável para produtores e para o país, mesmo em meio a uma economia mundial instável e volátil.


*Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política do Canal Rural
O Canal Rural não se responsabiliza pelas opiniões e conceitos emitidos nos textos desta sessão, sendo os conteúdos de inteira responsabilidade de seus autores. A empresa se reserva o direito de fazer ajustes no texto para adequação às normas de publicação.