Logo na primeira convocação do técnico Arthur Elias na seleção feminina de futebol surgiu uma discussão sobre a “corintianização” da equipe nacional após a saída da sueca Pia Sundhage do comando do time. Todo mundo sabia que o treinador tão bem-sucedido no Corinthians era a bola da vez para assumir a seleção. Mas houve quem questionasse a inicial preferência do técnico pelas atletas que tanto deram a ele no clube paulista.
“Eu só achei estranho ter dez jogadoras do mesmo time na mesma convocatória. Eu acho que vocês (imprensa) podem falar um pouco sobre isso também, pois, se fosse o Diniz (Fernando) fazendo isso no masculino, eu garanto que estava todo mundo dando porrada, ainda mais véspera de uma Libertadores. Mas feminino às vezes é um pouco terra de ninguém. A gente tem que falar. Se a gente aceitar tudo no futebol feminino… Eu vim do masculino e, lá o Diniz estaria com outra pressão. E ele não faria isso também. Mas, enfim, boa sorte aí pro futuro”, afirmou Ricardo Belli enquanto era o técnico do Palmeiras.
Aparentemente, ele não fazia essas críticas por clubismo, e sim pensando apenas no bem da modalidade.
Belli foi, em escala bem menor, o “Arthur Elias palmeirense”, pois virou o treinador com mais sucesso à frente do time feminino do Verdão. Só que acabou demitido em novembro do ano passado após levar um 8 a 0 do Corinthians na semifinal do Campeonato Paulista. Claro que aquelas frases de Belli envelheceram bem mal com a seleção feminina de Arthur Elias alcançando a final olímpica tendo como destaque a base corintiana.
Após um empate sem gols com a Jamaica e a eliminação do Brasil na Copa do Mundo, Ednaldo Rodrigues, o presidente da CBF, não teve dúvida nenhuma em escolher o óbvio: o técnico e o projeto do clube que é dominante na modalidade no Brasil e na América do Sul.
Além do treinador, ele levou também do alvinegro paulista Cris Gambaré para ser coordenadora técnica. Natural que o conhecimento e a experiência dessa comissão técnica com as atletas que jogam ou que passaram pelo Corinthians fizesse com que muitas das convocadas tivessem alguma ligação com o Timão. Diante do sucesso corintiano na modalidade, eu vejo esse processo como meritocracia. Arthur Elias e suas tantas corintianas estão onde estão porque mereceram isso.
Não sou do tipo que acha um absurdo e um desrespeito fazer pontuais comparações entre futebol masculino e feminino, então vou falar aqui do que aconteceu com Tite, que também recebeu algumas críticas por dar na seleção preferência a jogadores com quem ele tinha trabalhado, notadamente no Corinthians.
Ele teve que ouvir um bocado por levar para a Copa do Mundo uma delegação com Cássio, Fágner, Paulinho e Taison, para ficar só em alguns dos nomes que o ajudaram bastante como técnico de clube. Em especial os palmeirenses questionavam muito por que o Palmeiras, campeão brasileiro em 2016 e 2018, não tinha atletas convocados, sendo que Dudu era o destaque de quase todas as competições no país.
Na seleção masculina não há tanto espaço para clubismo porque a imensa maioria dos jogadores convocáveis atuam fora do país e aqui há um certo equilíbrio entre alguns dos chamados clubes grandes. Tite tinha mesmo seus “queridinhos” e caiu em duas Copas abraçado a alguns deles. Mas o cenário no futebol feminino é bastante diferente, pois ainda temos poucos trabalhos e projetos realmente sólidos e vencedores.
O Corinthians se destaca tanto na modalidade até porque a concorrência não é das mais fortes, sua hegemonia não é algo saudável para o desenvolvimento do esporte porque mostra muito o pouco cuidado e a prioridade pequena que muitos clubes brasileiros dão ao futebol feminino.
Sabemos que muitas equipes apenas investem algo na modalidade por obrigação, por força de regras impostas nos últimos anos pela CBF. Diante de todo esse quadro, não vejo como criticar Arthur Elias por priorizar na seleção jogadoras com passado ou presente corintiano (dentre as convocadas para Paris 2024, tem seis atletas atuais do Corinthians e outras oito que já defenderam o clube paulista).
E não digo isso apenas por conta da campanha olímpica, que começou sim bem problemática e vai terminar de forma positiva, mesmo que venha mais uma prata diante dos Estados Unidos, que são favoritos mesmo não tendo uma de suas melhores equipes na história. Todos os gols marcados pelo Brasil nos Jogos Olímpicos foram anotados por jogadoras com o DNA corintiano de Arthur Elias, exceção feita ao gol contra feito pela Espanha.
E o treinador não apostou só em “parças”, como a protagonista Gabi Portilho. Ele conseguiu ver talento sim fora do mundinho alvinegro: a melhor jogadora da seleção em Paris, de forma disparada, é a goleira do Grêmio: Lorena, a grande responsável pelo Brasil ter levado a primeira medalha olímpica na modalidade desde 2008. A grande questão que pode complicar para Arthur Elias, ironicamente, é da melhor jogadora da história da seleção brasileira, a veterana craque Marta.
Marta nunca escondeu ser corintiana, embora tenha jogado no Vasco no início de sua carreira. A convocação dele para os Jogos de Paris já é algo que poderia ser discutido, uma vez que ela já está longe de seu auge. Pela experiência e por sua técnica apurada e capacidade de finalização, Arthur Elias achou um espaço para a Rainha em meio às suas jovens atletas mais voluntariosas e aplicadas na parte tática.
Até aí tudo compreensível, a Olimpíada não seria apenas uma homenagem e uma despedida global da maior vencedora de prêmios de melhor do mundo no futebol feminino. Só que a Marta não tem conseguido fazer a diferença dentro de campo que já fez um dia (está difícil para a maior artilheira da história da seleção fazer um gol, assim como foi para Cristiano Ronaldo na Eurocopa) e ela foi muito mal contra a Espanha naquele lance da expulsão que poderia complicar a classificação do Brasil na fase de grupos.
Suspensa, ela esteve fora das duas mais festejadas vitórias do Brasil em muitos anos. Contra a França, com mais sorte do que juízo, a seleção venceu pela primeira vez as francesas na história, eliminado as anfitriãs que tinham sido algozes no Mundial. Contra a Espanha, campeã mundial vigente, a seleção mostrou muita organização defensiva e uma transição rápida que castigou as favoritas ao título, que têm um trabalho com muito mais tempo do que o do Brasil de Arthur Elias.
Já nos minutos finais do duelo contra a Espanha, postei nas minhas mídias sociais a pergunta que não quer calar: Marta deve ou não ser titular na final contra os Estados Unidos. A imensa maioria das respostas foi não. Há um sentimento geral de que as jogadoras que colocaram o Brasil nessa decisão épica merecem muito mais do que a Rainha brigar por esse ouro inédito. Ela pode ser útil entrando no final, com as adversárias mais desgastadas, pode até eventualmente ajudar em uma disputa de pênaltis, mas, se Arthur Elias decidir colocá-la de novo como titular, será uma decisão hoje impopular.
Marta não defendeu o Corinthians, time de seu coração. Não é por isso que ele deve ser reserva na decisão olímpica. Isso deve acontecer porque nos últimos anos ela tem feito poucos jogos e gols no Orlando Pride, enquanto a maior parte da seleção feminina estava triunfando de forma sistemática com a camisa corintiana, com algumas atletas conseguindo por isso uma merecida transferência internacional. Nada contra a Marta, tudo a favor da seleção brasileira e de sua justificada “corintianização” recente.