Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Trump mira o petróleo da Venezuela, mas a tensão geopolítica respinga no Brasil

A decisão de Donald Trump de fechar o espaço aéreo acima e ao redor da Venezuela, aliada às declarações de que os EUA “não descartam operações terrestres” contra alvos ligados ao narcotráfico, reacendeu uma tensão geopolítica inédita no continente.

Segundo análises veiculadas pela imprensa internacional, a medida aumenta a pressão para que os próprios militares venezuelanos derrubem Nicolás Maduro, ou o obriguem a negociar nos termos de Washington. É um movimento calculado, que transforma o cerco militar em ferramenta política.

Ao mesmo tempo, cresce a percepção de que a guerra às drogas, embora central na retórica, não explica tudo. Há interesses maiores em jogo.

A Venezuela possui as maiores reservas provadas de petróleo do mundo, boa parte na forma de petróleo pesado, essencial para refinarias que produzem diesel, combustível crítico para logística, transporte, agricultura e indústria.

A queda de Maduro abriria espaço para:

  • reativação de campos hoje subutilizados,
  • retomada de investimentos de petroleiras americanas,
  • ampliação do controle dos EUA sobre um ativo energético estratégico,
  • redução da influência da Rússia, China e Irã sobre Caracas.

Em outras palavras: o combate às drogas é a narrativa; o petróleo é o objetivo estratégico. E por estar a apenas algumas horas de voo dos EUA, a Venezuela é um prêmio geopolítico com enorme valor energético e militar.

Há outra verdade incômoda: os EUA gastaram centenas de bilhões de dólares em combate ao narcotráfico nas últimas décadas, e o consumo interno só aumentou.

Décadas de operações militares, acordos bilaterais, destruição de laboratórios e cooperação com governos latino-americanos não impediram que:

  • mais de 220 americanos morrem por overdose por dia,
  • mais de 70 mil morram por fentanil por ano,
  • opióides sintéticos estejam em 60% das mortes por overdose.

Se, apesar de tudo isso, o consumo cresce, a conclusão é inevitável: o problema não está apenas na oferta, está na demanda interna.

A crise real está dentro dos EUA: o “American Dream” virou frustração. A sociedade americana atravessa uma crise silenciosa e profunda. A promessa do “American Dream”, prosperidade em troca de trabalho duro, não se cumpriu para milhões.

Hoje, o país vive:

  • jovens esmagados por dívidas estudantis;
  • salários estagnados;
  • moradia inacessível;
  • empregos precários;
  • desindustrialização de cidades inteiras;
  • perda de vínculos comunitários;
  • epidemia de ansiedade, depressão e solidão.

Resultado: uma população em busca de alívio, e a droga oferece exatamente isso. Não é a fronteira que “invade” os EUA; é a sociedade americana que procura anestesia.

Por isso a guerra às drogas falhou. Ela combate sintomas externos, mas ignora as causas internas, emocionais, econômicas e culturais.

Trump pode fechar o espaço aéreo, ameaçar Caracas, usar a bandeira do combate às drogas e mirar as reservas de petróleo da Venezuela.

Mas a verdade é simples: a maior causa da crise está dentro dos EUA, não fora deles.

E se uma intervenção acontecer, seus efeitos não serão locais, vão atravessar fronteiras, elevar riscos, afetar mercados e chegar ao Brasil, atingindo desde o câmbio até o custo da produção agrícola.

A guerra que se anuncia é, na essência, uma guerra de narrativas, mas seus impactos serão bem reais para economias inteiras.

Miguel DaoudMiguel Daoud

*Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política do Canal Rural


Canal Rural não se responsabiliza pelas opiniões e conceitos emitidos nos textos desta sessão, sendo os conteúdos de inteira responsabilidade de seus autores. A empresa se reserva o direito de fazer ajustes no texto para adequação às normas de publicação.

Compartilhe:

Veja também: