A União Europeia (UE) deve aplicar sanções contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, utilizando a legislação que já existe nos tratados do bloco. Foi esse o pedido apresentado na última quarta-feira, 30, por um grupo de deputados europeus para a Alta Representante da Política Externa da EU, Kaja Kallas.


“Infelizmente, no Brasil de hoje um juiz não eleito está destruindo a democracia em nome de sua defesa. A União Europeia deverá agir antes que seja tarde demais”, aparece no documento.
A carta formal foi enviada para a “ministra das relações exteriores” de Bruxelas no mesmo dia em que o governo dos Estados Unidos aplicou a Lei Magnitsky contra Moraes.
Saiba mais: Lei Magnitsky: EUA punem Moraes
“Nos também temos uma ‘Magnitsky europeia’. É um conjunto de sanções que já foi aplicado no passado contra indivíduos ligados a criminalidade, terrorismo ou graves, maciças e sistemáticas violações dos direitos humanos. Agora pedimos que seja aplicada contra Moraes”, explica em entrevista exclusiva a Oeste o deputado europeu Carlo Fidanza.
Fidanza é um dos caciques do partido Fratelli d’Itália, da premiê italiana Giorgia Meloni, e além de deputado europeu é vice-presidente do Partido dos Conservadores e Reformistas Europeus (ECR) e vice-presidente da União Democrática Internacional.
O político italiano acaba de se tornar vice-presidente da Assembleia Parlamentar Euro-Latino-Americana (EuroLat), órgão transnacional de 150 parlamentares da Europa e da América Latina, “que terá como função principal manter elevada a atenção sobre violações como as que estão ocorrendo no Brasil”.
Saiba mais: O que é a Lei Magnitsky, aplicada pelos EUA contra Moraes
Segundo o eurodeputado, as violações contra o Estado de Direito cometidas por Moraes poderão ter consequências negativas sobre o processo de aprovação do acordo de livre-comércio entre União Europeia e Mercosul.
Por que essa carta foi enviada agora?
Pois há uma constante falta de atenção na União Europeia sobre o que está acontecendo no Brasil sobre violações graves e continuadas do estado de direito. Portanto, nos pareceu oportuno levantar um holofote nesta fase. Especialmente com o que está acontecendo na mesma lógica nas relações entre Estados Unidos e Brasil.
Existe uma clara perseguição política em relação aos principais exponentes da oposição brasileira em um ano pré-eleitoral. E isso é absolutamente inaceitável. Especialmente em uma fase importante das relações entre Europa e Brasil. Estamos em uma fase delicada das negociações do acordo comercial entre a UE e o Mercosul. Tudo o que está acontecendo no Brasil abala essas dinâmicas.
Então, acreditamos que este é o momento para apoiar com mais força este tema que, para nós europeus, é imprescindível. Estamos falando da democracia e do estado de direito de um grande país, parceiro da Europa, e algo que não pode mais ser abafado.
A percepção que há no Parlamento Europeu é que, por causa dessas violações constantes do Estado de Direito, das prerrogativas do ex-presidente Bolsonaro, de deputados, de jornalistas, o país esteja degringolando para uma deriva autoritária, se não ditatorial, nesse momento?
Sim, essa é a percepção que temos. E não estou falando de nós signatários da carta, ou de nós como grupo de conservadores europeus. Estou falando de boa parte da classe política europeia.
Claro, na bolha de Bruxelas o Brasil é bastante distante. Além disso, muita gente exorciza a questão por não querer se posicionar em defesa de Bolsonaro, que por aqui é considerado uma personagem controversa, muito próximo de Trump.
Até o momento não houve a vontade política da elite europeia de abrir esse capítulo. Colocaram a cabeça de baixo da areia frente a essas repetidas violações cometidas pelo STF. Agora, queremos abrir este capítulo e vamos mobilizar a Comissão Europeia.
Se essas violações dos direitos cometidas pelo STF não envolvessem Bolsonaro, a União Europeia já teria se mobilizado contra a Corte?
Com certeza. A União Europeia, infelizmente, se caracterizou nos últimos anos por um uso muito discricional de suas políticas, internas e externas.
Já tivemos campanhas de corte de fundos contra a Hungaria de Viktor Orban, apenas por ele ser conservador, ou contra a Polônia enquanto a direita governava. E agora em Polônia se consumem violações do estado de direito constantemente e ninguém em Bruxelas fala nada. Esse mesmo duplo padrão é aplicado também na política externa, infelizmente.
Quando Nicaragua ou na Venezuela, por exemplo, começaram a se tornar ditaduras, ninguém deu muita bola na UE. Somente após muito tempo a União Europeia tomou medidas duras contra esses regimes. Agora queremos que essa tomada de consciência seja mais rápida por parte das instituições europeias. Não podemos tolerar essa deriva autoritária no Brasil.
A hostilidade de parte da classe política europeia em relação a Bolsonaro não pode prevalecer sobre o reconhecimento de uma deriva venezuelana que o Brasil está vivendo.
O que a União Europeia deveria fazer em relação ao Brasil?
O que adotamos na União Europeia é um conjunto global de sanções, que é, digamos, a versão europeia da Lei Magnitsky dos EUA. São sanções principalmente financeiras em relação a quem perpetua violações dos direitos fundamentais, terroristas, criminosos, etc… Assim como os americanos, nós também estamos pedindo que a UE aplique essas sanções contra Moraes.
O sistema tem passos sucessivos. Como a retirada de vistos, a proibição de viagens e uma série de medidas coercitivas de natureza personal.
Esse é o modelo que estamos pedindo para a Kallas adoptar contra Moraes e contra seus aliados e colaboradores.
Essas sanções já foram aplicadas contra outros regimes?
Sim, já foram aplicadas contra a Venezuela, Cuba, entre outros.
Essa situação poderá influenciar negativamente a aprovação do acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o Mercosul?
Sim. é óbvio que, no nosso ponto de vista, existe um interesse em abrir novos mercados, mas é preciso ter certeza que o estado de direito seja respeitado.
Essa situação se soma com as preocupações legítimas de uma parte do agronegócio europeu que não vê respeitado o princípio de reciprocidade nos padrões de produção no Brasil, com o uso de muitos fertilizantes, defensivos, e produtos químicos que foram proibidos na Europa há 30 ou 40 anos, e que são ainda utilizados de forma extensiva pelo agronegócio brasileiro.
Os acordos de parceria comercial da União Europeia têm uma componente política, que se chama “cláusula democrática”, que permite suspender unilateralmente acordos caso o parceiro atue em violação de direitos fundamentais. Ela já foi utilizada em outras ocasiões. Nesse caso, pode influenciar negativamente as negociações.
Ativar a cláusula democrática prevê o reconhecimento político que existe um problema no Brasil, e foi por isso que apresentamos essa carta.
Há sensibilidade na Comissão Europeia sobre essa questão?
Sim, mas não vou esconder que as imagens do 8 de janeiro ainda pesam na percepção dos europeus. Por outro lado, as violações que estão acontecendo não passam despercebidas. O que ocorreu em janeiro de 2023 deixou um espaço exagerado para que Moraes pudesse atacar a oposição além de qualquer aceitável limite. Uma coisa é responsabilizar quem depredou os palácios do poder, outra, bem diferente, é minar a democracia.