Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

USP é processada por possível fraude em concurso

A Universidade de São Paulo (USP) está sendo processada por uma possível fraude em um concurso público realizado pela Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA-USP) em abril.

A denúncia na 5ª Vara de Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) é movida por Luiz Felipe de Araújo Pontes Girão, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), que relata ter sido eliminado de forma irregular no processo seletivo para professor doutor da área de contabilidade, regido pelo edital FEA 40/2024.

O processo, ao qual a reportagem de Oeste teve acesso com exclusividade, detalha uma série de irregularidades que, segundo o autor, comprometem a lisura do concurso.

Entre os principais pontos citados estão a divulgação informal de resultados antes da publicação oficial, a ausência de critérios objetivos de correção, possíveis favorecimentos pessoais e a escolha de um candidato cujo perfil acadêmico estaria desalinhado com o exigido pelo edital.

Aberto em junho, o caso é um mandado de segurança — tipo de ação usada quando há violação clara de direitos por parte de autoridades públicas. No processo, o professor pede à Justiça que suspenda ou anule o concurso da FEA-USP, devido às irregularidades que relata na denúncia.

Detalhes da denúncia contra a USP

O concurso da FEA-USP foi lançado em julho de 2024. A primeira fase só foi realizada em abril de 2025, quase seis meses depois do encerramento das inscrições, ocorrido em 30 de outubro de 2024.

Segundo Felipe Pontes — como é conhecido no meio acadêmico — a convocação em cima da hora prejudicou quem vinha de fora de São Paulo e quem já tinha compromissos previamente agendados, favorecendo candidatos com maior proximidade institucional.

O edital da USP previa critérios objetivos, divulgação pública das notas e avaliação individual por cada membro da banca. Também exigia que os candidatos estivessem presentes na leitura da prova e no recebimento do cronograma da segunda fase. De acordo com a denúncia, nada disso teria sido seguido.

No dia da prova, alguns candidatos foram orientados informalmente pelo presidente da banca, professor João Vinícius de França Carvalho, a deixar o local, com a promessa de que o resultado seria enviado por e-mail. Felipe seguiu a orientação, mesmo sabendo que isso não estava previsto no edital nem no regimento da USP.

Ele chegou a indagar, mas a recomendação foi reforçada por uma das secretárias do concurso. A resposta oficial só chegou no dia seguinte — quando a segunda fase já havia começado.

Em paralelo, os três candidatos aprovados receberam orientação oposta: foram informados de que deveriam permanecer no local para assinar a súmula de ciência dos resultados e tomar conhecimento dos horários das provas do dia seguinte.

Nesse intervalo, o professor tentou contato com a banca e com a secretaria da FEA, mas não obteve retorno. O e-mail que recebeu informava apenas sua eliminação, sem notas, justificativas ou critérios de correção. Além disso, os resultados foram divulgados sem espelhos, notas parciais ou qualquer explicação formal, em desacordo com o que determina o edital e o regimento da USP.

Quando Luiz Felipe foi informado do resultado, a segunda fase do concurso já havia sido iniciada | Foto: ReproduçãoQuando Luiz Felipe foi informado do resultado, a segunda fase do concurso já havia sido iniciada | Foto: Reprodução
Quando Luiz Felipe foi informado do resultado, a segunda fase do concurso já havia sido iniciada | Foto: Reprodução

“A omissão da banca me causou enorme insegurança”, diz Felipe, no documento. “Ao que tudo indicava, o processo estava sendo conduzido de forma improvisada, informal e parcial.”

Além das falhas formais mostradas, o mandado de segurança também levanta suspeitas sobre conexões pessoais e acadêmicas entre membros da banca examinadora e candidatos aprovados.

O professor Dr. Luis Eduardo Afonso orientou um dos aprovados no doutorado e, anos antes, outro deles na graduação. O mesmo professor também já havia indicado um dos dois para atuar como docente em outra unidade da USP e também foi orientador do presidente da banca examinadora, João Vinícius de França Carvalho.

Já a professora Dra. Raquel Wille Sarquis, também integrante da banca, é amiga pessoal de um dos aprovados, com quem cursou o doutorado na mesma turma.

Além disso, antes mesmo de apresentar o recurso administrativo ou tornar a denúncia pública, Felipe tentou dialogar diretamente com o chefe do departamento responsável, Bruno Meirelles Salotti.

De acordo com o relato, Salotti afirmou que o concurso havia seguido “todo o rigor exigido”, embora não tivesse participado do processo seletivo. Em seguida, encerrou o contato e bloqueou Felipe no WhatsApp. O professor relata que o contato entre os dois sempre foi cordial.

Tentativas de resolução em vias institucionais

Fachada da FEA-USP | Foto: ReproduçãoFachada da FEA-USP | Foto: Reprodução
Fachada da FEA-USP | Foto: Reprodução

Depois de ser eliminado, o professor tentou resolver a situação dentro da própria USP. Em 6 de maio, Felipe protocolou um recurso administrativo na direção da FEA, pedindo acesso às provas corrigidas, aos critérios de avaliação e às atas do concurso.

O documento foi encaminhado à presidência da banca examinadora e à Congregação da unidade, responsável pelas deliberações acadêmicas. No recurso, o professor afirma que a ausência de critérios objetivos e de justificativas contraria o que está previsto no edital e inviabiliza o exercício do contraditório.

“O resultado da prova escrita não foi divulgado conforme foi informado aos candidatos que foram orientados a ir embora, não houve atribuição de notas, tampouco apresentação dos critérios de correção”, relatou Felipe, no recurso enviado à USP. “Fomos apenas informados por e-mail, de forma genérica, de que estávamos eliminados.”

Apesar das cobranças, a Congregação da FEA não se manifestou sobre o conteúdo do recurso. Dias depois, Felipe recebeu apenas uma notificação de indeferimento, sem justificativas técnicas ou acadêmicas. O pedido de defesa oral do recurso foi negado, e ele não teve acesso ao teor da reunião que decidiu sobre a ação.

Posteriormente, solicitou a ata da deliberação via Lei de Acesso à Informação (LAI), mas o pedido foi negado pela USP. A justificativa foi que o regimento interno da Congregação não prevê a divulgação do conteúdo das reuniões, que seriam restritas aos seus membros.

USP negou pedido de defesa oral de denúncia sobre possível fraude | Foto: ReproduçãoUSP negou pedido de defesa oral de denúncia sobre possível fraude | Foto: Reprodução
USP negou pedido de defesa oral de denúncia sobre possível fraude | Foto: Reprodução

Segundo ele, a resposta da universidade não trazia nenhuma justificativa técnica ou acadêmica. Para Luiz Felipe, a postura da FEA fere princípios básicos da administração pública, como legalidade, transparência e motivação.

Sem retorno claro pelas vias internas, a Lei de Acesso à Informação foi novamente acionada por Felipe para obter as provas corrigidas, os critérios de avaliação e as atas da banca. A USP negou o acesso. Outros pedidos, como a ata e a gravação da reunião que indeferiu seu recurso, ficaram quase um mês sem resposta. Pela lei, o prazo máximo para retorno de solicitações via LAI é de 20 dias.

E-mails enviados à USP | Foto: ReproduçãoE-mails enviados à USP | Foto: Reprodução
E-mails enviados à USP | Foto: Reprodução
E-mails enviados à USP | Foto: ReproduçãoE-mails enviados à USP | Foto: Reprodução
E-mails enviados à USP | Foto: Reprodução

Em 25 de junho, o Colegiado da FEA-USP retornou às solicitações de Felipe Pontes. A Oeste, no entanto, ele relata que nenhuma de suas solicitações foi devidamente atendida, visto que a USP não incluiu as informações solicitadas.

O colegiado também negou a Felipe o acesso à gravação da reunião que analisou seu recurso. Pelo regimento da USP, cada Congregação tem autonomia para decidir se as reuniões serão privadas ou transmitidas ao vivo, por exemplo, pelo YouTube. Na FEA de Ribeirão Preto, por exemplo, as sessões do colegiado costumam ser públicas e transmitidas online.

Na FEA de São Paulo, no entanto, a reunião foi fechada — e seu conteúdo segue inacessível.

A FEA-USP negou o acesso de Felipe Pontes à reunião que indeferiu seu recurso | Foto: ReproduçãoA FEA-USP negou o acesso de Felipe Pontes à reunião que indeferiu seu recurso | Foto: Reprodução
A FEA-USP negou o acesso de Felipe Pontes à reunião que indeferiu seu recurso | Foto: Reprodução

Possíveis desdobramentos

Felipe Pontes, professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) | Foto: Reprodução/Arquivo pessoalFelipe Pontes, professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) | Foto: Reprodução/Arquivo pessoal
Felipe Pontes, professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) | Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

Se acatada, a ação pode levar à reabertura do processo seletivo, à convocação de nova banca examinadora ou até à exclusão do candidato aprovado, dependendo do que for apurado durante o julgamento.

No mandado de segurança, Felipe Pontes reforça que não busca retornar ao concurso nem conquistar a vaga disputada. Segundo ele, diante dos prejuízos emocionais e da condução do processo, sua intenção não é ser reintegrado, mas garantir que as irregularidades sejam apuradas e que haja responsabilização institucional.

“Não quero voltar atrás no tempo”, afirma. “Quero apenas justiça e respeito à lisura que se espera de um concurso público.”

Em entrevista a Oeste, Felipe contou que está reunindo relatos sobre possíveis fraudes em concursos de outros departamentos da USP, além de depoimentos sobre os danos psicológicos sofridos por candidatos afetados por irregularidades semelhantes.

O professor pretende anexar o material à denúncia por acreditar que os problemas vão além da FEA e fazem parte de uma prática recorrente na USP, com relatos semelhantes envolvendo concursos tanto na própria faculdade quanto em outros departamentos da universidade.

“Defendo que o concurso seja reaberto com uma nova banca, formada por especialistas da área, para que os candidatos tenham uma disputa justa”, acrescentou. “Esse cargo já foi muito respeitado, mas hoje está cercado de polêmicas.”

+ Leia mais notícias de Política em Oeste

Compartilhe:

Veja também: