Em momentos anti-democráticos, a arte é uma arma poderosa. Como forma de comoção e união, talvez a música seja uma das formas mais eficazes e inteligentes de se combater, protestar e reivindicar os próprios direitos.
Historicamente, são muitos os momentos turbulentos que originaram músicas incríveis. A cidade de Berlim, que hoje apresenta um cenário cultural riquíssimo e preza pela pluralidade de ideologias, pessoas e modos de se viver, foi palco de muitos eventos catastróficos. Por 28 anos, os seus cidadãos foram divididos, contra a própria vontade, por um muro.
Por conseguinte, no ano de 1989, quando finalmente houve um anúncio de que as fronteiras estavam abertas, a população foi imediatamente até a passagem que unia o lado Ocidental ao Oriental. Reunidas frente ao muro, deram início a sua depredação e ao processo de reunificação da Alemanha. É claro que essa celebração toda e emoção oriundas do acontecimento gerariam muita arte.
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Ao longo dos mais de 100 quilômetros de extensão do muro, diversos segmentos foram comercializados, enquanto outros foram doados para diferentes locais, incluindo um pedaço que agora se encontra em Nova York. Muitas partes foram retiradas por cidadãos locais, e algumas foram reutilizadas como materiais de construção. Contudo, um trecho específico de 1.113 metros teve um percurso distinto na narrativa. Mantido intacto e conhecido como Kunstmeile (“A milha da arte”), essa seção tem sido adornada com centenas de grafites ao longo dos últimos trinta anos, atraindo não apenas artistas, mas também visitantes.
Uma vez que a maioria dessas obras foi criada na face voltada para o lado oriental do muro (aquele que dava para o regime comunista), essa área recebeu o nome de East Side Gallery e foi oficialmente inaugurada em fevereiro de 1990. A maior parte do Muro de Berlim que ainda se mantém ereta à beira do rio Spree é considerada a galeria de arte ao ar livre mais duradoura do planeta.
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Outside The Wall
Além das expressões artísticas visuais, um fenômeno musical extraordinário tomou forma após a derrubada do muro. Artistas começaram a se apresentar nas ruínas, e Roger Waters, renomado baixista, vocalista e co-fundador do Pink Floyd, foi convidado a realizar um concerto memorável. Este evento seria um grande espetáculo, com a apresentação completa do álbum “The Wall”, celebrando a unificação da Alemanha.
Em 1990, Waters, que também havia concebido o conceito do álbum, protagonizou um imenso show nas ruínas do muro de Berlim. O local escolhido foi um espaço desocupado entre a Potsdamer Platz e o Portão de Brandenburgo, especificamente na área que havia sido conhecida como “terra de ninguém” durante a Guerra Fria. O espetáculo foi uma megaprodução, contando com a participação da Orquestra Sinfônica e do Coro da Alemanha Oriental, uma banda marcial soviética com mais de 100 músicos e até alguns helicópteros dos Estados Unidos.
Entretanto, a atração principal foi a construção de um novo muro, projetado especialmente para essa apresentação. Com 170 metros de comprimento e 25 metros de altura, a estrutura foi parcialmente erguida antes do show e desmontada após sua conclusão.
Waters contou com a presença de convidados notáveis, entre eles The Scorpions, Cyndi Lauper, Joni Mitchell, Van Morrison e Sinead O’Connor. Contudo, os membros originais da banda não foram convidados a comparecer, uma vez que Waters havia deixado o grupo em 1985, cinco anos antes do evento.
O cantor e compositor que criou a maior parte das canções exigia total controle sobre sua arte; sem isso, decidiu se afastar. Quando questionado em uma entrevista sobre a possibilidade de voltar a apresentar “The Wall” na íntegra, Waters respondeu negativamente, mas deixou em aberto a hipótese caso o Muro de Berlim fosse demolido.
O conceito do álbum
O álbum “The Wall”, do Pink Floyd, aborda indiretamente temas relacionados à Alemanha e anseios por liberdade em face da opressão. A canção “Another Brick In The Wall”, dividida em três partes, é uma crítica explícita à existência de barreiras, sejam elas físicas como a de Berlim ou ideológicas.
A concepção do álbum surgiu durante uma turnê em que Waters sentia que a conexão com o público do Pink Floyd estava se perdendo, criando uma sensação de muro entre ele e os ouvintes. Esse foi o momento decisivo.
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O disco é uma ópera rock cujo enredo gira em torno de Pink, um personagem fictício inspirado na vida de Waters. As vivências de Pink incluem a perda de seu pai na Segunda Guerra Mundial, o abuso por parte de professores, a superproteção da mãe e, finalmente, o colapso de seu casamento. Esses eventos culminam em seu isolamento autoimposto, representado por uma parede metafórica.
Embora Waters não tenha feito uma visita à Alemanha durante as gravações nos anos 70, anos depois, especificamente em 2014, ele lançou um documentário sobre sua turnê pessoal entre 2010 e 2013, onde apresentou o álbum como solista. No filme, Waters realiza uma jornada pessoal ao visitar os túmulos de seu pai e avô, ambos mortos em Grandes Guerras Mundiais.
O álbum “The Wall” passou a ser comparado com a realidade vivenciada na Alemanha Oriental, especialmente em relação ao muro colossal que limitava a liberdade de movimento, além de transmitir uma mensagem poderosa de derrubar as barreiras que nos dividem, aprendendo a respeitar e conviver com as adversidades.
O show foi realizado com fins beneficentes, com 220 mil ingressos vendidos antecipadamente e um público estimado de 350 mil pessoas. Foi um evento que o mundo precisava presenciar, simbolizando a superação de 50 anos de divisão e da Guerra Fria, e deixou uma marca indelével na história da cidade, da política e da música.
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